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Vivemos um paradoxo notável: enquanto a expectativa de vida do brasileiro atinge patamares recordes, superando os 76 anos segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sendo 73,1 anos para homens e 79,7 anos para mulheres, o mercado de trabalho parece caminhar na contramão, excluindo progressivamente seus profissionais mais experientes.
Este fenômeno, conhecido como etarismo ou idadismo, deixou de ser uma preocupação social abstrata para se tornar uma fonte crescente de litígios na Justiça do Trabalho, acendendo um alerta para empresas de todos os portes e setores.
O que antes era um tema que sequer adentrava nas estatísticas do judiciário, agora aparece como tema mapeado e relevante, com realização de campanhas específicas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT), e até mesmo pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
E, aparentemente, estas campanhas vêm surtindo efeito, visto que, segundo dados parciais da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2024, divulgados em março de 2025 pelo MTE, pessoas com idades entre 40 e 59 anos foram as que mais conquistaram ou mantiveram postos de trabalho formal no setor privado durante 2024.
Porém, ainda existe muito a ser feito, visto que a taxa de informalidade entre os maiores de 60 anos é 53,5% maior do que todas as demais faixas etárias, segundo o IBGE, sendo que apenas 6% dos trabalhadores formais no Brasil são trabalhadores “60+”, além de as vagas voltadas para esta população serem prevalentemente de atividades com baixa remuneração e exigência educacional.
É importante ressaltar que a exclusão do mercado de trabalho não gera apenas um impacto financeiro, sendo que a OMS já correlaciona o etarismo a quadros de depressão, alimentados por sentimentos de inutilidade e impotência. A transição de uma posição produtiva para a inatividade forçada pode ser devastadora para a mente do profissional, especialmente em uma sociedade que historicamente atrela o valor do ser humano à sua capacidade produtiva.
O aumento expressivo da judicialização do tema, com ações pleiteando desde a reintegração ao trabalho até indenizações por danos causados, demonstra uma maior conscientização dos trabalhadores sobre seus direitos.
Embora não exista uma lei específica que trate exclusivamente do etarismo, o ordenamento jurídico brasileiro oferece diversas previsões que podem ser utilizadas como embasamento para ações de discriminação em razão da idade.
A Constituição Federal (CF), em seus artigos 3º e 230, estabelece a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, sendo que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar. Um ambiente de trabalho inclusivo e seguro faz parte desta obrigação.
Além disto, a Lei nº 9.029/1995, principal instrumento legal aplicável em casos de discriminação no ambiente de trabalho, proibe expressamente práticas discriminatórias na admissão ou permanência no emprego.
Em caso de dispensa discriminatória comprovada, a lei faculta ao empregado optar entre a reintegração ao cargo ou o recebimento em dobro da remuneração do período de afastamento, sem prejuízo da indenização por danos morais. Além disto, a empresa ficaria sujeita a penalidades administrativas caso comprovada a prática de atos discriminatórios de qualquer natureza.
Cite-se, ainda, o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003), a Recomendação nº 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que rege Princípios das Nações Unidas para as Pessoas Idosas de 1991 e a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos.
Assim, a promoção de um ambiente de trabalho genuinamente inclusivo não apenas mitiga riscos jurídicos, mas incrementa a produtividade e a inovação, uma vez que empresas que valorizam a diversidade etária se beneficiam da troca de experiências entre gerações, combinando a energia dos mais jovens com a sabedoria e a visão estratégica dos mais velhos, apenas alcançada com o tempo.
Neste sentido, citamos algumas boas práticas, que caminham ao encontro desta efetiva inclusão: revisão de políticas internas, com análise crítica dos processos de recrutamento, avaliação de desempenho e promoção para eliminar vieses inconscientes relacionados à idade; treinamento e sensibilização das equipes, especialmente a liderança, sobre os danos do etarismo e os benefícios da diversidade geracional; programas de mentoria reversa, com a criação de programas onde colaboradores mais jovens possam treinar os mais experientes em novas tecnologias, enquanto os mais velhos oferecem mentoria de carreira e visão de negócios.
Além da propagação de uma cultura de valorização, por meio de comunicações internas e ações da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio (CIPA), reforçando o compromisso da empresa com um ambiente de trabalho saudável e livre de preconceitos, com foco na saúde mental de todos e explorar, junto aos sindicatos, a inclusão de cláusulas que protejam os trabalhadores em fase de pré-aposentadoria, por exemplo.
O envelhecimento da população é uma realidade que impõe novas responsabilidades ao mercado de trabalho. As empresas que se anteciparem, tratando a diversidade etária como um ativo estratégico, estarão não apenas cumprindo seu papel social e se protegendo de passivos trabalhistas, mas também construindo uma base mais sólida, criativa e resiliente para o futuro.
Artigo publicado originalmente no LEXLEGAL.







