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Maurício Barros no Valor Econômico Congresso analisa tributação digital 12 de novembro de 2020

Segundo o advogado Maurício Barros, do Gaia Silva Gaede Advogados, responsável pelo levantamento das propostas legislativas, contudo, “todas têm problemas de inconstitucionalidade”

Pelo menos sete propostas legislativas estão em andamento no Congresso Nacional para tentar criar alguma espécie de tributação digital. A mais recente, de autoria do deputado Danilo Forte (PSDB-CE), institui a Contribuição Social sobre Serviços Digitais (CSSD). Incidente sobre a receita bruta de serviços digitais prestados pelas grandes empresas de tecnologia, o tributo nasceria para financiar programas de renda básica, como o auxílio emergencial (Lei nº 13.982/2020).

Segundo o advogado Maurício Barros, do Gaia Silva Gaede Advogados, responsável pelo levantamento das propostas legislativas, contudo, “todas têm problemas de inconstitucionalidade”. Para ele, a CSSD, por exemplo, por ser uma contribuição sobre a receita, violaria a Constituição Federal ao incidir sobre um fato gerador já tributado por PIS/Cofins.

O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 218/2020 diz que será contribuinte da CSSD a empresa de grupo econômico que tenha auferido, no ano-calendário anterior, receita bruta global superior ou equivalente a R$ 4,5 bilhões. A alíquota de 3% seria aplicável, por exemplo, sobre a receita decorrente da exibição de publicidade em plataforma digital para usuários no Brasil.

“Nas operações cross border, o Brasil já aplica uma tributação bem pesada: 10% de Cide-Royalties, 9,25% de PIS/Cofins, ISS que pode chegar a 5%, e 6,38% de IOF nas vendas a consumidor final”, diz Barros. Para ele, criar um tributo digital brasileiro é como querer lançar um casaco de alto inverno em um país tropical.

Proposta semelhante à da CSSD cria a “Cide-Digital”. Pelo Projeto de Lei (PL) nº 2.358, também deste ano, o deputado João Maia (PL-RN) pretende aprovar a cobrança de uma alíquota, de 1% a 5%, conforme o valor da receita bruta da empresa. Já a senadora Zenaide Maia (PROS-RN) propõe a “Digital Services Tax”, uma Cofins diferenciada de 10,6% para empresas com altas receitas que usam plataformas digitais (PLP nº 131/2020).

Todas as propostas têm inspiração na taxação dos serviços digitais na Europa, em países como França, Áustria, Itália, Reino Unido, Espanha, Bélgica e Hungria, de acordo com o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. “A tributação na Europa foi uma solução encontrada para enfrentar a erosão das bases tributárias em relação aos paraísos fiscais”, diz. Maciel destaca as empresas de tecnologia americanas, com fábricas em Luxemburgo e na Irlanda, que ou não recolhem ou pagam tributos reduzidos por lá.

“No Brasil essa hipótese não se verifica porque tributamos na fonte e discriminamos paraísos fiscais”, afirma o ex-secretário. No país, a retenção padrão é de 15% e de 25% (IRRF) no caso de remessa de dinheiro a paraíso fiscal — local onde o IR é inferior a 20%.

Segundo Maciel, uma Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) tem a finalidade de corrigir um desequilíbrio tributário, como foi a criação da Cide-Combustíveis quando ainda não existia o PIS/Cofins-Importação sobre combustíveis e ficava mais barato importar. “Assim, não há que se falar em Cide para a tributação digital.”

Pelas propostas de reforma tributária (PEC 45 e PEC 110), vários tributos seriam substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que incidiria também sobre bens intangíveis, como os digitais. Haveria desburocratização, mas há sugestões de emendas nas PECs especificamente sobre a tributação digital.

Na PEC 45, emenda do deputado Celso Sabino (PSDB-PA) permite à União instituir imposto, por exemplo, sobre plataformas que facilitem a venda de bens e serviços entre os usuários. A arrecadação seria dividida igualmente entre Estados e municípios. Já uma emenda apresentada pelo deputado Efraim Filho (DEM-PB) quer permitir a cobrança de ICMS sobre todos os bens e serviços fornecidos por meio digital.

Ao analisar as propostas legislativas, a tributarista Tathiane Piscitelli destaca a discussão de quase 20 anos no Supremo Tribunal Federal sobre se incide ISS ou ICMS sobre software — se é serviço ou mercadoria. “No fundo, as empresas de tecnologia já estão em um cenário de insegurança jurídica considerável. Acho que não faz sentido ainda ser criado um novo tributo sobre elas”, afirma. A especialista lembra que, ao contrário do que acontece na Europa e África, as grandes empresas de tecnologia têm sede no Brasil, onde são tributadas como as demais companhias.

Pela proposta de reforma tributária da União, como o PIS e a Cofins seriam extintos para a instituição da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), abrangendo as operações com intangíveis, haveria simplificação para as empresas do setor. Contudo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem também ventilado a ideia da criação de uma “Digitax”, sobre todas as transações digitais, lembrando em muito a extinta CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras).

Luiz Roberto Peroba, do Pinheiro Neto Advogados, diz que a “digital tax” na Europa é provisória até os Estados Unidos criarem uma nova regra para a tributação da renda das empresas de tecnologia fora do país. “Mas ela incide somente sobre as receitas das empresas de tecnologia. A Digitax do governo federal incidiria sobre todas as transações realizadas que, cada vez mais, são digitais”, diz.

 

POR LAURA IGNACIO

FONTE: VALOR ECONÔMICO – 12/11/2020 ÀS 00:56