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Ellen Daianne da Silva Ries e Ricardo Marty Claro de Oliveira Desdobramentos tributários em relação às operações com NFTs 20 de maio de 2022

O desenvolvimento da economia digital, especialmente na última década, tem dado origem a novos tipos de ativos econômicos e financeiros, fato que, consequentemente, tem acarretado novos desafios ao poder legislativo para identificar a natureza jurídica dessas novas figuras, regulamentar o seu respectivo mercado, bem como tributar os rendimentos que os referidos ativos geram aos seus titulares.

É neste contexto que as discussões relativas aos non-fungible tokens (NFTs) ou tokens não-fungíveis têm se alastrado pelo mundo jurídico.

Em síntese, os NFTs são tokens criptográficos da mesma maneira que as criptomoedas, como os famosos Bitcoin. A principal diferença entre eles é que as criptomoedas são “tokens fungíveis”, isto é, possuem valor de troca correspondente, igual a uma cédula de 50 reais, por exemplo, que representa sempre o mesmo valor para qualquer agente econômico.

Os NFTs, por sua vez, são tokens não fungíveis, ou seja, são únicos e não intercambiáveis — cada token tem uma particularidade própria. Por tal motivo, os NFT’s servem para representar produtos exclusivos, colecionáveis, tangíveis ou intangíveis, que podem ser livremente transacionados (ex.: obras de arte). Em suma, um NFT pode representar um objeto físico ou digital único por meio de um token digital exclusivo.

A previsão é que esses novos ativos digitais causem um grande impacto na economia mundial. A PWC estima que, até 2030, a tecnologia de blockchain (que é a base de registros e dados que dá estrutura para as transações de NFTs), como um todo, agregará cerca de USD 1,7 trilhão à economia global¹.

Ocorre que, no Brasil, ainda não existe regulamentação específica para tutelar tais criptoativos, incluindo os tokens. Surge, então, o seguinte questionamento: os NFTs são equiparados aos ativos financeiros na ótica do fisco?

A Receita Federal, por meio da Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019, instituiu e disciplinou a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da RFB.

O artigo 5º dessa Instrução conceitua criptoativo como uma “representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.

Da leitura dessa definição, entende-se que os NFTs não são criptoativos, já que não possuem “sua própria unidade de conta”. Por corresponderem a uma nova classe de ativos que não possuem previsão similar na legislação atual, não seria possível aplicar a legislação existente de forma análoga, em razão da limitação do princípio da legalidade estrita.

Contudo, em 24/02/22, a Receita Federal do Brasil divulgou que irá incluir pela primeira vez códigos específicos para declaração de criptoativos na declaração do Imposto de Renda para a pessoa física de 2021, e isso inclui os NFTs².

Conforme noticiado pelo Órgão, na ficha de bens e direitos da declaração do Imposto de Renda, foram criados cincos novos códigos para inclusão dos Bitcoin, Altcoins, Stablecoins, NFTs e Tokens.

Assim, por mais que não se amoldem perfeitamente ao conceito prescrito no artigo 5º da IN RFB 1.888/2019, em razão de não possuírem unidade de conta (unidade de medida própria), no entendimento da Receita Federal, os tokens não-fungíveis são equiparados a ativos financeiros que podem ocasionar ganho de capital.

Partindo dessa premissa, considerando que o ganho de capital é a diferença positiva entre o valor de alienação de bens ou direitos e o respectivo custo de aquisição, nos termos da IN RFB nº 84/2001, a apuração de ganho de capital deve ser realizada em qualquer alienação de NFTs, independentemente da natureza da operação (ex.: compra e venda, permuta, doação, dação em pagamento).

Dessa forma, caso determinada pessoa física adquira um NFT de um artista, ela deve informar esse direito na ficha de bens e direitos do imposto de renda e se, posteriormente, vender esse NFT por valor superior ao custo de aquisição, esse ganho auferido está sujeito à incidência do referido imposto.

Além disso, considerando esse entendimento da Receita Federal de que os NFTs são criptoativos (sujeitos às regras da IN RFB 1.888/2019), verificam-se mais dois desdobramentos tributários possíveis em relação às operações com tais figuras, o primeiro referente ao ISS, e o segundo ao ICMS.

Quanto ao ISS, na hipótese de uma empresa intermediar a transação de compra e venda de determinado NFT, poderia haver a incidência do imposto municipal sob a comissão de venda.

Quanto ao ICMS, seria possível defender a não incidência do imposto sobre essas operações, sob a argumento de que, no entender da Receita Federal, se trata de meras transações financeiras, não existindo, assim, circulação de mercadoria.

Por fim, importante destacar que os NFTs podem possuir naturezas diversas, uma vez que podem estar vinculados a marcas famosas, obras de arte e, também, fornecer ao adquirente outros benefícios, como o direito à participação em eventos exclusivos, mentorias, etc. Ou seja, a natureza de cada NFTs pode influenciar na forma de tributação das operações.

Dessa forma, verifica-se que a tributação das operações envolvendo NFTs é um campo de muitas incertezas, sendo nítido que, enquanto não houver regulamentação específica sobre esta matéria, os contribuintes/investidores estarão cercados pela insegurança jurídica. E mesmo quando houver a regulamentação, devem estar atentos às possíveis ilegalidades, as quais deverão ser discutidas judicialmente.

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¹https://www.pwc.com.br/pt/estudos/preocupacoes-ceos/mais-temas/2021/reinventando-o-futuro/as-oito-essenciais.html

²https://oglobo.globo.com/economia/irpf-2022-como-declarar-criptoativos-no-imposto-de-renda-25425621

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.