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Marina Guião & Rodrigo Sluminsky Entre promessas e trilhões: os desafios do financiamento climático na COP 30 7 de outubro de 2025

“Mapa do Caminho Baku-Belém”, que conecta as COPs 29 e 30, representa uma oportunidade única de alinhar finanças, adaptação e mitigação. Uma década após a assinatura do Acordo de Paris, a COP de Belém escancara a necessidade de implementação. Mas para que as negociações multilaterais se transformem em ações e políticas nacionais e subnacionais, providências relacionadas à transferência de tecnologia, capacitação e financiamento recebem atenção especial. São os chamados “Meios de Implementação”, onde cada vez mais o financiamento climático ocupa lugar central.

Essa é uma história com muitos capítulos, que se iniciou com a adoção da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (“UNFCCC”) em 1992, quando foi estabelecida uma distinção importante entre seus membros: Anexo I (países industrializados e que se obrigavam a prover financiamento) e Não-Anexo I (majoritariamente países em desenvolvimento). Ao longo das últimas décadas, o que inicialmente estava limitado ao apoio em tecnologias menos poluentes, passou a incluir dimensões mais complexas ligadas a adaptação, perdas e danos e mobilização complementar de diversas fontes de financiamento.

Nesse contexto, o volume e a qualidade dos recursos necessários sempre foram motivo de tensões nas negociações multilaterais. Na COP15 de Copenhague em 2009, os países considerados desenvolvidos finalmente manifestaram o compromisso de mobilizar 100 bilhões de dólares por ano até 2020, meta que sempre esteve longe de ser cumprida. Anos mais tarde, coube ao Acordo de Paris, na COP21, estender esse compromisso por mais alguns anos. Na ocasião, foi também acordado que o volume de recursos deveria ser revisto ainda antes de 2025, o que ensejou as negociações em torno da Nova Meta Coletiva Quantificada (“NCQG”) para substituir a antiga. As negociações da nova meta foram finalizadas na COP29 em Baku com uma promessa de aporte de 300 bilhões de dólares anuais, montante insuficiente comparado à estimativa de valor para evitar os piores impactos da crise climática, na casa dos trilhões de dólares por ano. Para tentar se aproximar das necessidades, a Presidência da COP29 e da COP30 estão desenvolvendo um relatório com um “Mapa do Caminho Baku-Belém” para mobilização de 1,3 trilhão de dólares anuais para ação climática. Infelizmente, somente a mobilização de mais recursos não será suficiente, muito pela persistente dificuldade no acesso ao financiamento e falta de transparência na sua qualificação.

Para acessar recursos mais relevantes relacionados ao financiamento climático, instituições podem se habilitar perante alguns dos inúmeros bancos multilaterais que atuam com o tema, estruturar projetos para acesso a fontes de financiamento privado que apoiem a ação climática ou até se credenciar em algum dos principais fundos climáticos, tal como o Fundo Verde para o Clima, o Fundo Global para o Meio Ambiente, o Fundo de Adaptação e o Fundo para Perdas e Danos, muitas vezes com providências extremamente burocráticas e bastante desafiadoras.

Além disso, há problemas como falta de transparência e confiabilidade nas informações disponibilizadas, já tendo sido identificados recursos contabilizados como “climáticos” que não teriam sido destinados corretamente. Isso acontece por não existir uma clara definição operacional do que seria, de fato, financiamento climático, permitindo algumas inconsistências na alocação de recursos e nas informações de reporte.

Adicionalmente, a despeito da necessidade de equilibrar o financiamento climático entre mitigação e adaptação, a maior parte continua destinada à descarbonização de setores econômicos, sobretudo por meio de empréstimos que aumentam o endividamento nos países em desenvolvimento. O resultado indica um duplo desafio: vulnerabilidade climática extrema em um cenário de aumento do déficit fiscal.

Nesse contexto, mais do que números em relatórios, financiamento climático acaba tendo um papel essencial na obrigação de reparar desigualdades históricas e de viabilizar escolhas de futuro. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (“IPCC”) é muito claro ao afirmar que existem recursos suficientes para a ação climática, mas eles precisam ser canalizados na orientação correta, o que depende da capacidade e vontade de atores para além do regime da UNFCCC.

A COP30 acontece em um momento importante nesse embate multilateral e dois assuntos merecem especial atenção para operacionalizar a fase de implementação em torno da agenda de financiamento climático: o relatório das Presidências com um Mapa do Caminho Baku-Belém e a continuação das negociações sobre o alinhamento dos fluxos financeiros com os objetivos de mitigação e adaptação do Acordo de Paris, inclusive considerando a necessidade de financiamento para operacionalizar os indicadores da Meta Global de Adaptação (“GGA”), tema bastante importante para a COP30.

Dessa forma, o mutirão proposto pela atual Presidência tende a ser muito relevante para catalisar a mobilização de recursos e acelerar a transição de toda a economia, já que não apenas nações têm esse compromisso, mas empresas e outras organizações do setor privado também devem assumir de forma mais relevante seu papel nesse processo.

Para saber mais sobre o tema, vale conferir o Caderno Temático sobre Financiamento Climático da LACLIMA, uma publicação que explica de forma didática o histórico do conceito, os fluxos de recursos, os principais atores envolvidos e os dilemas políticos que ainda travam as negociações. É uma ferramenta essencial para jornalistas, ativistas, pesquisadores, gestores públicos e também para empresas que buscam se inserir de forma responsável nessa agenda. Essa publicação e outros estudos sobre política climática estão disponíveis no site da LACLIMA.

 

Artigo publicado originalmente no Estadão.