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Ana Paula Faria da Silva, Rayan Felipe Sartori, Gustavo Henrique Olescki IS-extração nas exportações: aresta a ser aparada 30 de outubro de 2024

No final de 2023, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional (EC) nº 132, que trouxe mudanças nos tributos que incidem sobre o consumo. Dentre as principais alterações, destaca-se a criação do Imposto Seletivo (IS), mais conhecido como “imposto do pecado”.

Segundo o inciso VIII do artigo 153, incluído na Constituição pela da EC nº 132, o IS é um tributo extrafiscal que incide sobre a produção, comercialização, extração ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Em regra, o IS incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço, sendo vedado qualquer tipo de aproveitamento de crédito do imposto com operações anteriores ou geração de créditos para operações posteriores. Além disso, o IS não incidirá sobre as exportações, nos termos do inciso I do § 6º do artigo 153 da CF.

No que tange ao IS na “extração”, há previsão específica na Constituição de que o imposto será cobrado “(…) independentemente da destinação, caso em que a alíquota máxima corresponderá a 1% do valor de mercado do produto”, segundo o inciso VII do § 6º do artigo 153. Contudo, a redação deste dispositivo tem gerado controvérsias, especialmente quanto ao termo “independentemente da destinação”.

Isso porque, a partir da leitura do referido dispositivo, surge o questionamento se foi criada uma exceção à imunidade das exportações na “extração” ou se o termo “independentemente da destinação” se refere à forma de utilização do bem extraído pelo adquirente. Leia-se:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

§ 6º O imposto previsto no inciso VIII do caput deste artigo:

I – não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações;

(…)

VII – na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação, caso em que a alíquota máxima corresponderá a 1% (um por cento) do valor de mercado do produto.

 

Exportação de bem mineral extraído

Com a recente aprovação pela Câmara do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/24, a problemática se intensificou, pois, sem apresentar qualquer justificativa, o PLP estabeleceu expressamente como fato gerador do IS a “exportação de bem mineral extraído”, contrariando um dos objetivos da reforma tributária, cujo debate sempre esteve pautado na desoneração das exportações.

No texto original da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/19, foi destacado que “a desoneração completa das exportações” é crucial para aumentar a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional.

O primeiro parágrafo do Relatório Final das PECs nos 45/19 e 110/19 ressaltava que a reforma tributária visava a corrigir um sistema que “é injusto e cumulativo, onera exportações, é ineficaz na prevenção da guerra fiscal, gera inúmeras e custosas batalhas administrativas e judiciais, inibe o investimento e impõe uma fiscalização a um tempo onerosa’.

Em diversas outras oportunidades, o relatório enfatizava a problemática enfrentada pelas empresas brasileiras exportadoras, revelando que:

Dois levantamentos recentes, um realizado pelo International Institute for Management Development (IMD) e outro pelo Banco Mundial, revelam a baixa competitividade da economia brasileira. No Anuário de Competitividade Mundial 2020 divulgado pelo IMD, o Brasil ocupou a 56ª posição dentre os 63 países pesquisados, atrás de países como Chile (38ª posição), Peru (52ª posição) e Colômbia (54ª posição). Dentre os fatores-chave para a competitividade da economia brasileira, a publicação aponta o regime tributário como o menos favorável. Em pesquisa mais abrangente, publicada pelo Banco Mundial, intitulada como Doing Business 2020, o Brasil ficou na 124ª posição de 190 países no quesito facilidade de negócios.[1]

Além de ser contrária à competitividade nacional no mercado exterior, a incidência do IS-extração sobre as exportações também viola os princípios de hermenêutica constitucional.

 

Princípio da unidade da constituição

De acordo com o princípio da unidade da constituição, nenhuma norma constitucional deve ser interpretada de forma isolada, fora do contexto do sistema constitucional como um todo. Este princípio visa evitar contradições entre as normas constitucionais e garantir a harmonia e coerência do ordenamento jurídico, tal como ressaltou o ministro Gilmar Mendes:

O princípio da unidade da Constituição postula que não se deve considerar uma norma constitucional fora do sistema em que se integra. Dessa forma, evitam-se contradições entre as normas constitucionais. As soluções dos problemas constitucionais devem estar em consonância com as deliberações elementares do constituinte. O princípio incita o intérprete a encontrar soluções que harmonizem tensões existentes entre as várias normas constitucionais, considerando a Constituição como um todo unitário (cf. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12ª. ed. Saraiva: São Paulo, 2017, p. 92). [2]

 

O inciso I do § 6º do artigo 153 é expresso ao garantir a imunidade do IS sem fazer qualquer ressalva. Como determina o artigo 11 da LC nº 95/98, “as disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, (…) as expressões em seu sentido comum”. A partir de tais técnicas hermenêuticas, parece-nos ser inviável afirmar que o termo “independentemente de destinação estaria criando uma exceção à imunidade das exportações.

Para garantir a ordem lógica estabelecida pelo artigo 11 da LC nº 95/98, é necessário que os parágrafos abordem “aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida. Incisos, alíneas e itens, por sua vez, devem ser usados para “promover as discriminações e enumerações”.

Como a técnica legislativa não permite que um inciso seja excepcionalizado por outro, a interpretação racional sugere que a imunidade prevista no inciso I não é restringida pelo inciso VII do § 6º do artigo 153 da CF, tal como já interpretado pelo STJ em situação legislativa análoga, relacionada à reclamação constitucional [3].

 

Uso da palavra ‘destinação’

Embora a palavra “destinação” possa ser usada para indicar um local, é mais comumente empregada no contexto jurídico brasileiro para se referir a uso ou finalidade. A própria Constituição, já com a nova redação a partir da EC nº 132, menciona a palavra “destinação” 17 vezes e, em nenhum destes exemplos, é utilizada no sentido de destino físico, afastando a possibilidade de interpretação de que o inciso VII do § 6º do artigo 153 permitiria a incidência do IS-extração nas exportações.

Caso não fosse essa a intenção do legislador, seria utilizada a palavra “exportação”, tal como foi utilizado em todos os demais artigos da Constituição que versam sobre exportações, sob pena de violação à harmonização necessária entre os dispositivos constitucionais, que determina a observação do sentido comum das palavras.

Assim, tendo em vista que (1) o objetivo do constituinte derivado era desonerar as exportações; e (2) pelo princípio da unidade da Constituição e técnicas de hermenêuticas, deve-se evitar contradições entre normas constitucionais para se garantir a integridade do sistema jurídico, conclui-se que a expressão “independentemente da destinação” se refere à utilização final do bem mineral, e não do destino físico do produto, preservando assim a imunidade tributária das exportações.

Diante disso, espera-se que o Senado perceba a importância de contornar, enquanto há tempo, questões que vão na contramão da simplificação proposta pela reforma tributária, de modo a evitar controvérsias e novos contenciosos, garantindo a imunidade constitucional atribuídas às exportações.

[1] Relatório Final da Reforma Tributária – PEC nº 45/19 e nº 110/19, Comissão Mista, Maio de 2021.

[2]RE 574.706/PR (Tema 69), j. 15/03/17.

[3] AgInt no AgInt na Rcl 36.294/MG, 1ª Seção, Rel. Assusete Magalhães, j. 29/09/20.

 

Artigo publicado originalmente no Conjur.



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