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Flávio Augusto Dumont Prado Mais um capítulo da saga PIS/Cofins sobre ICMS: o outro lado dessa moeda 27 de março de 2021

Parece até exagero, mas fato é que se tornou necessária uma nova e importante mensagem de alerta a respeito da eventual trama que envolve a exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, tendo em vista que os embargos de declaração opostos pela União foram incluídos na pauta de julgamento do STF do dia 29 de abril.

Nos últimos anos tive a oportunidade de publicar alguns artigos sobre marcantes questões ligadas ao tema da não incidência de PIS e Cofins sobre o valor do ICMS, sendo um deles também aqui na ConJur.

Em outro deles, intitulado Desmitificando os Mitos – Exclusão do ICMS no cálculo do PIS/Cofins, ao tratar do mito sobre a possível virada da jurisprudência no STF, afirmei expressamente que “não há como se imaginar ser esperado que haja uma guinada como essa no âmbito de nossa Corte Suprema, seja para acolher a maluca tese do ICMS recolhido (inventada pela União apenas depois da derrota no STF), seja para modular, contra a massiva jurisprudência da Corte, os efeitos de seu importante e histórico julgamento”.

Lá, pela brevidade que o artigo exigia, deixei apenas essa mensagem, pois acreditávamos à época (início de 2020) que essa novela estaria perto de se encerrar.

Ocorre que mais um ano se passou e o tema continua gerando medo e angústia nos empresários e executivos, pois o regime de terror que vem sendo pintado pela União é de fato de assustar qualquer um.

Então, o nosso objetivo hoje é dar mais luz a esse tema, demonstrando não ser minimamente esperado que o STF aja de maneira a desfazer um julgamento tão bem fundamentado, após décadas de análise do tema.

Vamos, então, sem perdermos o foco da objetividade que este artigo exige, nos concentrar nas sete razões pelas quais nos parece inimaginável que o STF venha a ignorar os importantes reflexos que sua decisão já causou no cenário jurídico nacional.

A escolha do apontamento de sete razões neste artigo não foi aleatória. Como se sabe, o número sete, em seu simbolismo, representa a perfeição, a conclusão, a harmonia e o equilíbrio. É justamente por isso que escolhemos trazer apenas sete razões.

A primeira delas é a manutenção da certeza de uma corte constitucional digna de fé em suas decisões. Ora, não podemos nunca nos esquecer que estamos tratando de uma decisão proferida pelo Plenário do STF em regime de repercussão geral. Ou seja, não se trata de uma decisão isolada de uma das turmas, mas, sim, de uma decisão plenária tida justamente com o objetivo de orientar todos os tribunais e instâncias judiciárias brasileiras a respeito da matéria e da forma como o tema deveria ser julgado.

Em outras palavras, todos os reflexos, que naturalmente precisam ser preservados, estão umbilicalmente vinculados a uma decisão plenária de nossa Suprema Corte, proferida, repita-se, em sede de repercussão geral.

A segunda razão seria a situação ultrajante a que estariam expostas todas as demais instâncias do Poder Judiciário que, acreditando na segurança da decisão já proferida pelo STF, passaram a imediatamente aplicá-la, sem qualquer ressalva, tal como inclusive determina o nosso Código de Processo Civil. E não podemos nos esquecer de que esse tema, objeto de embargos de declaração pela PGFN, está sem julgamento há mais de três anos.

A terceira razão seria o efeito desastroso, se não destruidor, para as empresas que confiaram na segurança de uma decisão proferida pelo Plenário de nossa Corte Suprema. Qualquer decisão que possa jogar por terra tudo o que já foi feito nos últimos anos, seria uma absurda punição às empresas que, amparadas na segurança de uma decisão de nossa Corte Máxima, deixaram de recolher e compensaram o indébito daquilo que lhes fora expressamente declarado inconstitucional.

A quarta razão seria a completa perda de credibilidade em nosso sistema judiciário, seja pelos próprios jurisdicionados brasileiros, seja pelos potenciais investidores estrangeiros que, para se encorajarem a investir no Brasil, precisam acreditar ao menos na estabilidade e segurança de nosso Poder Judiciário.

A quinta razão seria, ainda que indiretamente, um forte incentivo aos Poderes Executivo e Legislativo (seja por meio de leis ou medidas provisórias) a criarem leis inconstitucionais, pois teriam esperança de que, ao final, mesmo diante da sua patente inconstitucionalidade, os efeitos das leis inconstitucionais permaneceriam incólumes, como se constitucionais fossem.

A sexta razão é que, como já nos manifestamos em oportunidades anteriores, não há absolutamente nenhum sentido técnico na tese defendida pela União Federal, nem sob o aspecto contábil, nem sob o aspecto jurídico, nem sob o aspecto fiscal e nem sob o aspecto da lógica e da razoabilidade. Isso porque se a discussão judicial era para excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, o único ICMS que poderia ser excluído seria, obviamente, aquele que estava indevidamente incluído.

Ora, nunca foi objeto de dúvida nem para o Fisco e nem para os contribuintes que o único ICMS incidente no PIS e na Cofins era aquele que vinha destacado em sua nota fiscal, compondo o seu faturamento. Qualquer coisa diferente disso é apenas maluquice jurídica, como a que tem tentado propagar a União Federal.

A sétima e última razão, de certa forma ligada à terceira razão por nós mencionada, é a consequência econômica para as empresas, em meio a essa crise mundial sem precedentes. Não seria exagero pensar em quebra de empresas, ou mesmo em pedidos em massa de recuperação judicial, para aquelas empresas que venham a ter que devolver valores por elas já recuperados ou que deixaram de recolher.

Não seria também exagero pensar em aumento elevado do desemprego, decorrente da desestruturação econômica das empresas.

Não podemos nos conformar que o governo federal não esteja não só percebendo tudo isso, mas também lutando para que haja uma inesperada virada de mesa no STF.

E, ao tratarmos de consequências econômicas, não podemos deixar de reiterar, como o fizemos no artigo “Desmitificando os Mitos”, que a União Federal, ao tratar do tema, em momento algum dá destaque ao fato de que 34% dos recursos destinados aos contribuintes voltarão aos cofres do governo em forma de IRPJ e CSL. Além disso, os juros incidentes sobre esse crédito serão tributados em 4,65% pelo PIS e pela Cofins. Ou seja, num arredondamento ilustrativo, como já o fizemos, apenas para facilitar a visualização, quase 40% desse crédito voltará ao governo federal em forma de tributos.

Apesar de tudo isso, o governo federal tem feito, por meio da RFB e da PGFN, forte pressão para a reversão da decisão proferida pelo Plenário do STF (Tema 69). O argumento que utiliza, é claro, é a crise financeira do Brasil.

Mas, ao apontar apenas esse lado da moeda, o Governo deixa intencionalmente escondido o outro lado, ainda mais importante, que é a proteção à segurança jurídica e sustentabilidade econômica das empresas, geradoras de tantos empregos no Brasil! Faz também parte desse outro lado da moeda uma constatação óbvia e cristalina: essa crise fiscal do Brasil é decorrente de descontrole de gastos ao longo de várias décadas, não podendo, portanto, ser jogada nas costas do empresariado brasileiro, que já foi vítima dessa cobrança ostensivamente inconstitucional também por décadas.

É por todos esses motivos a nossa fortíssima convicção de que o STF não sucumbirá à pressão do Governo Federal, preservando, no julgamento do dia 29 de abril, a segurança de suas próprias decisões e a clareza daquilo que já foi julgado há 4 anos pelo Plenário da nossa Corte Constitucional sobre o Tema 69. Até porque, como bem lecionou Dr. Georges Abboud, “onde a discricionariedade começa, o direito termina” (Revista de Processo, vol. 251/2016 – Jan/2016).

 

*Artigo postado originalmente no ConJur.