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O pacto antenupcial, celebrado por escritura pública previamente ao casamento, define o regime da união e é obrigatório quando o regime difere da comunhão parcial de bens. Diante da tendência global de flexibilização do direito de família, é preciso superar a visão do pacto como mera exigência formal e reconhecê-lo como ferramenta eficaz de gestão estratégica patrimonial e emocional.
Tradicionalmente, o pacto trata sobre regras a respeito da administração, partilha e proteção do patrimônio pessoal ou empresarial dos cônjuges. A inovação diz respeito às cláusulas extrapatrimoniais, as quais, embora ainda enfrentem resistência, refletem um movimento mundial que parece ser irreversível e visam garantir ao casal maior autonomia para decidir sobre todos os aspectos da relação.
Ao incluir disposições para prevenção de conflitos e alinhamento de expectativas, o pacto ganha uma nova dimensão, aproximando-se da ideia de um contrato em que a convivência pode ser planejada, abrangendo questões patrimoniais, emocionais e familiares, reduzindo riscos, evitando litígios e possibilitando uma vida conjugal mais duradoura.
Para isso, existem alguns mecanismos que podem ser utilizados, como a sunset clause. Essa cláusula permite que certas regras do pacto deixem de valer após determinado tempo ou evento, permitindo ao casal as condições ao longo do relacionamento. Por exemplo, pode-se estipular que após 3 (três) anos ou após o nascimento dos filhos, o regime de separação seja convertido para comunhão parcial.
A lógica é acompanhar a evolução do relacionamento, como já acontece em países como os Estados Unidos, onde mecanismos semelhantes oferecem mais previsibilidade e liberdade contratual. No Brasil, a eficácia plena desta cláusula depende da reforma do Código Civil, que hoje exige decisão judicial para alteração do regime de bens. De todo modo, incluir a sunset clause sinaliza a vontade dos cônjuges de ampliar sua autonomia, ainda que possa depender de homologação judicial.
Outro ponto que gera discussão é a validade da renúncia antecipada à herança. Nos últimos anos, porém, tem ganhado força o entendimento de que tal renúncia não viola a lei, pois não versa sobre herança de pessoa viva, mas sim reflete a vontade legítima dos cônjuges de renunciar a direitos sucessórios futuros.
Negar essa possibilidade é limitar a autonomia do casal para definir, de forma clara, sua participação nas respectivas sucessões. Em um planejamento robusto e consciente, abordar este tema, ainda que sem eficácia jurídica garantida, é útil para registrar o interesse das partes e prevenir conflitos.
Outros mecanismos extrapatrimoniais interessantes dizem respeito aos pactos de não violência emocional e as cláusulas de fidelidade. Em um contexto de crescente atenção à saúde mental, o pacto antenupcial pode estabelecer critérios objetivos para a prevenção e resolução de conflitos emocionais. Cláusulas sobre comunicação aberta, respeito mútuo, corresponsabilidade e compartilhamento de tarefas podem prevenir agressões e abusos, definindo comportamentos inaceitáveis e mecanismos de resolução de conflitos, como a mediação ou a busca por ajuda profissional psicológica, inclusive, com compensações morais em casos graves.
Apesar dos desafios práticos, estas disposições têm forte valor simbólico. Mais do que criar obrigações legais, formalizam um compromisso ético de zelar pela saúde emocional do casal e da relação. Trata-se de uma medida preventiva e estratégica que alia inteligência emocional e respaldo jurídico.
Já a cláusula de fidelidade, embora ainda pouco explorada nos tribunais brasileiros, tende a ganhar protagonismo entre os casais modernos. Apesar de a lei não definir seus limites e efeitos, é recomendável incluí-la no pacto, não apenas como gesto simbólico, mas como forma de alinhamento entre os cônjuges.
Ainda que a fidelidade seja um dever inerente ao casamento, a diversidade de modelos de relacionamento e a constante mudança dos valores sociais tornam útil a estipulação prévia do que será considerado como infidelidade e as consequências da sua quebra. Indenizações, perda de direitos ou até mesmo outras penalidades podem ser previstas, desde que respeitem os limites legais. Ignorar esta possibilidade por desconforto é abrir espaço para conflitos futuros.
O pacto pode, também, tratar sobre o planejamento parental, ou seja, poderá tratar temas relacionados à criação dos filhos, como orientação religiosa, escolha da escola e regras de convivência em caso de separação. A discussão e previsão antecipadas deste tipo de decisão, tem o condão de evitar que divergências emocionais prejudiquem os interesses do casal na educação dos filhos.
Ao tratar sobre direitos e deveres parentais como guarda, educação e sustento, é preciso atentar ao fato de que o melhor interesse da criança sempre prevalecerá, de modo que este tipo de cláusula não tem, automaticamente, força vinculante perante o Judiciário.
De qualquer modo, ela certamente demonstrará quais eram os interesses do casal quando não estavam em situação conflituosa, podendo auxiliar o diálogo e o alinhamento de expectativas, até mesmo evitando a discussão judicial a respeito de tais temas.
Em resumo, o pacto antenupcial pode incluir diversos temas além dos tratados neste artigo, mas embora a liberdade contratual seja um princípio do nosso ordenamento jurídico, ela é limitada pelas normas de ordem pública e pelos direitos indisponíveis. Como consequência, a jurisprudência brasileira ainda é cautelosa, não existindo um indicativo claro de quais são os limites a que estão sujeitas as partes no conteúdo de seu pacto antenupcial.
No entanto, é certo que a sociedade atual evoluiu e o Direito de Família precisa acompanhar essa transformação. Pode-se dizer que o pacto antenupcial, quando bem utilizado, deixa de ser um documento frio, limitado a questões de bens, e passa a ser uma poderosa ferramenta de gestão da vida a dois, podendo garantir planejamento e prevenção de conflitos.
Ao permitir que o casal defina regras claras sobre valores, convivência, expectativas e patrimônio, o pacto pode contribuir para relações mais duradouras, conscientes e saudáveis. Ainda, nas situações em que eventual separação seja inevitável, ele servirá para reduzir conflitos e direcionar o casal nas decisões. E, eventualmente, será capaz de nortear o juiz acerca das intenções do casal.
Artigo publicado originalmente no LEXLEGAL.







