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Cassiano Inserra Bernini Observatório do TIT: Declaração de reconhecimento de isenção ao ITCMD 10 de março de 2022

Câmara Superior do TIT reconhece efeitos ‘ex tunc’ da declaração de isenção

De acordo com o sítio do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT-SP)¹, foram publicadas, entre os dias 1º e 18 de fevereiro deste ano, um total de 29 decisões da Câmara Superior do Tribunal. Dentre os oito casos em que houve o conhecimento e julgamento do Recurso Especial – do contribuinte ou fazendário –, chamou-nos atenção o acórdão sobre ITCMD proferido no processo decorrente do Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM) nº 4.043.441-2, cujo julgamento foi finalizado na sessão de 15 de fevereiro de 2022.

Em resumo, o caso em apreço tratava do reconhecimento e aplicação da isenção ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) sobre doações recebidas por entidade sem fins lucrativos, cujo objeto é a promoção dos direitos humanos. A discussão referia-se a doações recebidas pela entidade antes da emissão, pelas autoridades fiscais estaduais, da “declaração de isenção do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD” (declaração de isenção) prevista na Portaria CAT nº 15/2003.

No entendimento da fiscalização e da Fazenda Pública estadual, não estariam abarcadas pela isenção ao ITCMD as doações recebidas pela entidade antes da data de emissão da declaração de isenção, sendo, portanto, devido o ITCMD em relação a tais doações. Não obstante, também foi objeto do AIIM a prorrogação tácita da declaração de isenção, em vista da ausência do pedido de sua prorrogação dentro do prazo previsto na legislação.

A leitura dos votos lançados no acórdão permite afirmar que o núcleo da discussão envolvia a natureza e os efeitos da declaração de isenção: segundo a tese fazendária, referida declaração seria constitutiva, com efeitos “ex nunc” (“para frente”); já o contribuinte defendia efeitos “ex tunc” (“para trás”) e sua natureza declaratória.

O voto proferido pelo juiz relator acolheu a tese da Fazenda Pública, com fundamento na Resposta à Consulta Tributária nº 18.771/2018, do estado de São Paulo, a qual dispõe que doações recebidas antes da emissão de declaração (no caso da consulta, tratava-se de reconhecimento de imunidade) estão sujeitas ao ITCMD.

Vale dizer, portanto, que para aqueles que professam tal entendimento, a declaração de isenção é requisito essencial para o gozo desse benefício fiscal. Teria ela, então, natureza constitutiva de um direito e, por isso mesmo, efeitos apenas para o futuro.

Entretanto, sagrou-se vencedor o entendimento (acertado, por ser o mais adequado, em nosso modo de ver) adotado no voto de vista do juiz Edison Aurélio Corazza, no sentido de que a declaração de isenção é ato “meramente declaratório, e não constitutivo de um direito”, que não cria o benefício fiscal.

O muito bem estruturado voto de vista tem como ponto de partida o exame dos artigos 176 a 179 do Código Tributário Nacional (CTN)², concluindo que a isenção objeto do processo decorrente do AIIM nº 4.043.441-2 é concedida em caráter geral e por prazo indeterminado, o que implica o afastamento do quanto previsto nos artigos 178 e 179 do CTN.

De fato, nesse particular aspecto, o artigo 6º, parágrafo 2º, da Lei 10.705/2000, que institui o ITCMD no estado de São Paulo, prevê que ficam isentas desse imposto as transmissões decorrentes de doações “de quaisquer bens ou direitos a entidades cujos objetivos sociais sejam vinculados à promoção dos direitos humanos, da cultura ou à preservação do meio ambiente”.

Trata-se, assim, de isenção geral (aplicável a todas e quaisquer entidades que promovam os direitos humanos, a cultura e a preservação do meio ambiente) e sem prazo determinado. Logo, correta a não subsunção ao artigo 179 do CTN; vale dizer: no caso concreto em análise, a isenção à entidade promotora dos direitos humanos não se perfaz por meio de despacho da autoridade administrativa.

Aliás, neste ponto, bem observa o voto vencedor que à autoridade fiscal cabe, conforme prescreve o item 1, do mencionado parágrafo 2º, do artigo 6º da Lei 10.705/2000³, apenas reconhecer a condição que legitima o contribuinte ao gozo da isenção. “Reconhecer”⁴ significa admitir como verdadeiro, real; ter por legítimo. Trata-se, enfim, de confirmar uma situação pré-existente (e não de constituí-la).

Disto naturalmente resulta que a declaração de isenção do ITCMD nada mais é do que ato administrativo pelo qual a autoridade fiscal estadual confirma que determinado contribuinte atende à condição (entidade promotora dos direitos humanos) que autoriza o gozo da isenção.

Assim sendo, nada tem de constitutiva (do direito à isenção). Com o perdão pelo pleonasmo, a declaração de isenção é declaratória de situação fática já existente. Nesse contexto, seus efeitos irradiam-se não só para o futuro, mas também e necessariamente para o passado.

O voto vencedor arremata o seu entendimento e o reforça trazendo diversas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) no mesmo sentido.

A constatação da juridicidade dos efeitos “ex tunc” da declaração de isenção do ITCMD pode ser aferida por um simples evento hipotético: imagine-se que uma determinada entidade pleiteie junto à autoridade fiscal estadual a emissão da declaração de isenção, demonstrando atender as condições legais e que dita autoridade leve, por exemplo, oito meses para apreciar o pleito e emitir a declaração.

Ora, nesse exemplo, caso a manifestação das autoridades fiscais tivesse efeitos apenas para o futuro, significaria dizer que nos oito meses em que aguardou a manifestação estatal, a entidade estaria à mercê da resposta da administração, impedida de usufruir da isenção e sujeita ao recolhimento do ITCMD por eventuais doações, mesmo sendo confirmado, mais tarde, pelas próprias autoridades fiscais, o atendimento da condição legal.

Por isso, é de se concluir que a solução dada pela Câmara Superior, no processo decorrente do AIIM nº 4.043.441-2, ainda que por maioria de votos, é a mais adequada do ponto de vista jurídico, devendo prevalecer em todas as instâncias da administração pública estadual paulista.

__________

¹ https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTIT/ConsultarVotos.aspx?instancia=2

² Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.

Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares.

Art. 177. Salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva:

I – às taxas e às contribuições de melhoria;

II – aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão.

Art. 178 – A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do artigo 104. (Redação dada pela Lei Complementar nº 24, de 1975)

Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão.

  • 1º Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção.

  • 2º O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.

³ Artigo 6º – Fica isenta do imposto:
(…)
2º – Ficam também isentas as transmissões “causa mortis” e sobre doação de quaisquer bens ou direitos a entidades cujos objetivos sociais sejam vinculados à promoção dos direitos humanos, da cultura ou à preservação do meio ambiente, observado o seguinte: (NR)
1 – o reconhecimento dessa condição deverá ser feito, de forma cumulativa, pela Secretaria da Fazenda e, conforme a natureza da entidade, pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, pela Secretaria da Cultura ou pela Secretaria do Meio Ambiente, de acordo com disciplina a ser estabelecida pelo Poder Executivo;

https://www.dicio.com.br/reconhecer/#:~:text=Significado%20de%20Reconhecer,%3A%20reconhecer%20uma%20firma%2C%20empresa

 

*Artigo publicado originalmente no JOTA.