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Gerson Stocco Q&A: LUCROS E DIVIDENDOS – O POSSÍVEL RETORNO DA TRIBUTAÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA 18 de fevereiro de 2019

A Lei nº 9.249, de 1995, art. 10, dispôs os lucros e dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir de janeiro de 1996 não ficariam sujeitos à tributação do IRRF, nem integrariam a base do Imposto de Renda do beneficiário, seja pessoa física ou jurídica, domiciliado no Brasil ou no exterior.

Apesar da norma trazer o termo não incidência, se trata de norma isencional, pois a renda está no campo de tributação do Imposto de Renda, nos termos do artigo 43, do CTN, e o ente tributante pode isentar (tecnicamente não é uma não incidência, porque não está amparada na Constituição Federal ou um fato fora do espectro da abrangência do conceito de renda). O significado de isenção refere-se à dispensa legal de pagamento de algum imposto. O fato gerador ocorre, porém, há expressa norma legal, autorizando a não-realização do pagamento, bem como da cobrança do tributo. Portanto, a isenção consiste sim no exercício da competência tributária, mas o ente opta, por algum tipo de motivo, pela dispensa do pagamento.

Tem surgido, todavia, notícias várias sobre o retorno da tributação do IRRF sobre lucros e dividendos e algumas perguntas são importantes neste tema.

1) A isenção pode ser revogada?
Resposta: Sim, desde que se faça através de lei ordinária. Não pode ser realizada por mero ato do Poder Executivo.

2) O que de concreto existe para retorno à tributação dos lucros e dividendos?
Resposta: De concreto, exatamente nada neste momento (11.02.018), embora o novo Governo Federal já acenou com essa possibilidade.
Recentemente, no Foro de Davos, o Min. Paulo Guedes afirmou que o Governo pretende reduzir o IR das Pessoas Jurídicas, hoje na ordem de 34% (se somados IRPJ e CSLL), para 15%, tributando os lucros e dividendos e eliminando os Juros sobre Capital Próprio.

3) No polo legislativo, o que se tem de novidades?
Resposta: Existem dois Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional.
Um de autoria do Deputado Veneziano Vital do Rego, de 2015, que sugere a tributação dos lucros e dividendos à alíquota de 15% (Projeto de Lei nº 3241). Obs. Este tem uma menção de arquivamento em 31.01.2019. O outro no Senado Federal, que tramita como Projeto de Lei 215, do ano de 2018, de autoria do Senador Jader Barbalho, que propõe tributação de 15% do IRRF e de 25% se o beneficiário estiver em país considerado paraíso fiscal.

4) Se a isenção for revogada, a nova tributação valerá para lucros de anos anteriores?
Resposta: Ordinariamente, não. Os lucros formados anteriormente à introdução da nova lei não sofrerão tributação, mesmo que distribuídos a qualquer tempo posterior à vigência da nova lei. Sempre foi respeitado o princípio da formação dos lucros para definir o regime tributário de alcance no momento da distribuição.

5) A nova lei, se aprovada em 2019 aplicar-se-á aos lucros formados neste ano-calendário?
Resposta: Aqui, neste ponto, uma controversa interpretativa.
A considerar que o artigo 10, da Lei 9.249/95, em vigor, é de natureza isencional sem qualquer contrapartida ou condição, há corrente doutrinária que entende que poderia ser revogada e a nova tributação se aplicar imediatamente. Outra corrente doutrinária, diria majoritária, aduz que o princípio da anterioridade deveria ser aplicado.
O princípio da anterioridade é aquele que reza que a criação ou majoração de tributos somente pode passar a ter eficácia no exercício seguinte ao da publicação da lei que criou ou aumentou o tributo.

A posição do Supremo Tribunal Federal era no sentido de considerar a isenção como um benefício, que, não tendo condicionantes e contrapartida do beneficiário, poderia ser revogada imediatamente. Todavia, o mesmo STF tem dado sinais que pode mudar de opinião. Vejamos trechos do trabalho de Maurício Rossi intitulado “A relação entre o princípio da anterioridade e a revogação de isenção[1]:

              “O Supremo Tribunal Federal, embasado na doutrina de Rubens Gomes de Sousa e Amílcar de Araújo Falcão, ambos adotantes da posição de que na isenção haveria a  ocorrência do fato gerador, surgimento da obrigação tributária, com a dispensa legal do pagamento, a revogação neste caso não incidiria a criação de tributo, razão pelo  qual não haveria necessidade da aplicação do princípio da anterioridade. Esse entendimento acarretou no surgimento da Súmula 615 que enuncia que o princípio da  anualidade não se aplica à  revogação de isenção do ICMS.

                               Mesmo recebendo críticas, a Suprema Corte ratificou seu entendimento no julgamento do RE 204.062/ES, cujo acórdão transcreve-se a seguir:

                              CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO: REVOGAÇÃO. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE.

                               I. – Revogada a isenção, o tributo torna-se imediatamente exigível. Em caso assim, não há que se observar o princípio da anterioridade, dado que o tributo já é existente.

                              II. – Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

                              III. – RE conhecido e provido.[6]

 Entretanto, em 2 de setembro de 2014, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal julgou o RE 564.225/RS e se posicionou sobre o dever de observância do princípio da anterioridade, no caso do aumento indireto ICMS, tendo em vista a retirada do benefício fiscal.

IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – DECRETOS Nº 39.596 E Nº 39.697, DE 1999, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE – DEVER DE OBSERVÂNCIA – PRECEDENTES. Promovido aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante  das alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150, da Carta. Precedente.

O RE 564.225/RS trata a necessidade de observância ao princípio da anterioridade em relação aos Decretos do Estado do Rio Grande do Sul nº 39.596 e 39.967, que majoraram a base de cálculo do ICMS devido por prestadores de serviços de televisão por assinatura.

…..

Em decisão recentíssima, o STF, através da Segunda Turma, reiterou tal posicionamento, ao julgar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 1081041:

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. REINTEGRA. Decreto nº 8.415/15. Princípio da anterioridade nonagesimal. 1. O entendimento da Corte vem se firmando no sentido de que não só a majoração direta de tributos atrai a aplicação da anterioridade nonagesimal, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais. 2. Negativa de provimento ao agravo regimental. Não se aplica ao caso dos autos a majoração dos honorários prevista no art. 85, § 11, do novo Código de Processo Civil, uma vez que não houve o arbitramento de honorários sucumbenciais pela Corte de origem (Súmula 512/STF). (RE 1081041 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 09/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082 DIVULG 26-04-2018 PUBLIC 27-04-2018)”

Parece-nos, pois, que há grandes possibilidades de o STF sufragar a tese de que a isenção, revogada, deve a nova cobrança ser submetida ao princípio da anterioridade, o que acarretaria a imposição tributária somente a partir de lucros formados em 2020, desde que a Casa Legislativa Federal aprove e seja publicado lei, em 2019, que revogue a isenção constante do art. 10, da Lei nº 9.249/95.

6) Os Juros Sobre Capital Próprio serão revogados?
Resposta: Nos textos dos projetos de lei não existem menções à revogação dos JCP´s.
Todavia, verificado o consenso de que diversos países têm sofrido com a erosão de suas bases de tributação, com desvio de receitas para outras jurisdições, a OCDE e o G-20 passaram a desenvolver o Plano de Ação contra determinados planejamentos tributários, intitulado Base Erosion and Profit Shifiting (BEPS), conjunto de medidas a serem avaliadas, para posterior implantação pelos países e organismos internacionais. São propostas de harmonização entre os sistemas tributários, mudanças práticas e de legislação e de filosofia a respeito de como a tributação deve passar a ser encarada.

O Plano BEPS pretende limitar a utilização de instrumentos híbridos e a dedutibilidade de despesas com juros interpartes e outros instrumentos financeiros. Os instrumentos híbridos são capazes de gerar situações de dupla não-tributação, em face do aproveitamento de assimetrias entre dois ou mais sistemas jurídicos, mediante, por exemplo, dedução de despesa no país da fonte, sem a correspondente tributação no destino.

Esse tipo de distorção é um dos focos de combate do BEPS, que pretende miná-las, com o escopo de ajustar a atividade econômica, isto é, uma manifestação de riqueza, à correspondente tributação. Os instrumentos híbridos são alvo da Ação nº 2 da OECD21, cujas recomendações, se implementadas, podem atingir o regramento dos Juros Sobre o Capital Próprio (JCP) brasileiros, figura única no mundo, e cujos equivalentes estrangeiros mais próximos não são, como o instrumento nacional, dedutíveis para fins de apuração dos impostos sobre a renda.
Assim, os JCP´s podem ser atingidos por essa figura da imposição das normas do BEPS, mesmo porque o Brasil em intenção firme de entrar na OCDE como membro aceito e efetivo.

 

[1] http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-relacao-entre-o-principio-da-anterioridade-e-a-revogacao-de-isencao,590940.html