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Jorge Luiz de Brito Junior Startups que vendem ingressos online ameaçadas por decisão do STJ que considerou ilegal a cobrança de taxa de conveniência 18 de março de 2019

Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça deixou em alerta o ecossistema de startups que operam plataformas de vendas de ingressos online.

Em uma chamada ação coletiva – ajuizada por associação que representa um grupo de consumidores – o STJ entendeu que a taxa de conveniência cobrada por estes sites seria ilegal, por ser um tipo de venda casada.

Uma venda casada acontece quando o consumidor se vê forçado a adquirir um produto ou serviço como condição para adquirir outro. A prática, considerada abusiva, é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor.

A decisão do STJ ainda não colocou um ponto final neste assunto, mas deixou as empresas que operam este tipo de modelo de negócio atentas para aquilo que poderia representar o fim deste mercado.

A decisão é polêmica porque, no caso de ingressos para shows, espetáculos, etc., a compra online é opcional – o que já enfraquece um pouco a alegação de que o consumidor está sendo “forçado” a adquirir este serviço.

Sempre existe para o consumidor a alternativa de comprar o ingresso no guichê, ainda que, para isso, tenha que enfrentar filas e outros inconvenientes. Caso queira adquirir o ingresso na comodidade de seu lar, o consumidor poderá optar por efetuar a compra online, tendo, neste caso, que arcar com a tal taxa de conveniência. Não há dúvidas de que, pelo menos uma parte desta taxa, serve para cobrir custos que estas empresas têm para manter o site funcionando, melhorar a experiência do usuário, resolver problemas, prestar assistência aos seus clientes, etc.

Vale lembrar que condicionar a venda de um produto a outro não é, por si só, ilegal. Se isso fosse verdade, você teria que comprar apenas um pé de sapato, pois vender um par seria ilegal. Mas as coisas, é claro, não são bem assim.

Quando se trata de caracterizar uma venda casada, a jurisprudência estabelece alguns outros requisitos. Eis algumas perguntas fundamentais:

– Existe um mercado possível para o produto ou serviço “casado”? No caso do sapato, por exemplo, existiria um mercado possível para venda de apenas um pé? É claro que não! A história, porém, é um pouco diferente quanto aos ingressos online. Para isso existe, sim, um mercado potencial (tanto é que existem empresas explorando este mercado).

– Existe “poder de mercado”? Ou seja, as empresas podem colocar o preço que quiserem sobre o produto “casado”, porque não existe concorrência neste mercado? Esse ponto é um tanto quanto crítico para a questão da taxa de conveniência, porque as empresas que negociam ingresso, normalmente, o fazem com exclusividade. Elas obtém, por força de um contrato, um direito exclusivo de distribuição dos ingressos com o artista (ou empresa que o representa), que é quem – no fim do dia – possui um direito autoral sobre a obra exibida em um show ou espetáculo.

É óbvio que este direito de exclusividade dá um certo poder às empresas que vendem ingressos online. A pergunta é: este poder é suficiente para permitir abusos nos preços ou caracterizar a chamada “venda casada”?

Qualquer que seja a resposta a esta pergunta, é importante notar que a decisão do STJ acabou não analisando este aspecto, que – no nosso entendimento (que, é claro, leva em conta a jurisprudência sobre o tema) – é crucial para caracterizar a cobrança da taxa como abusiva.

No caso da taxa de conveniência, embora o direito de exclusividade seja um elemento a ser considerado, é importante notar que a existência de uma alternativa ao consumidor – que é a compra presencial – por mais que possa não ser tão cômoda, limita um pouco o poder das empresas de venda online de colocar o preço que quiserem na taxa. Caso elas passem da conta nesta cobrança, o consumidor – é claro – vai preferir pegar fila, pedir a um amigo para comprar ou mesmo pagar alguém para buscar o ingresso.

Alguns consumidores que moram fora das grandes capitais – e que, por isso, não tem outra forma de comprar ingressos que não seja a internet – podem se sentir mais prejudicados com esta cobrança. Porém, como era a vida deles antes de existir a opção de comprar pela internet? Por mais que a taxa de conveniência seja cara, ela dificilmente vai superar os custos com viagens, etc. Ou seja, a vida dessas pessoas não deve ter piorado tanto com o negócio de venda de ingressos online.

Vale lembrar que existem meios (e autoridades competentes) para coibir abusos quanto ao preço da taxa de conveniência. Estes abusos podem e devem ser combatidos. Mas será que era mesmo necessário, em uma canetada, tornar a atividade totalmente ilegal? Pense em quantas empresas – inclusive startups – não operam plataformas que exploram este negócio?

Sem falar que, no caso julgado pelo STJ, a empresa de ingressos foi condenada a devolver tudo o que foi cobrado dos consumidores nos últimos cinco anos. Ainda que alguém possa argumentar que o lucro que estas empresas é abusivo, parece claro que estas empresas arcam com vários custos para manter suas atividades, incluindo tecnologia para desenvolver o site. Logo, não faz sentido obriga-las a devolver todo o valor cobrado. No mínimo, a devolução deveria ser do valor que excedeu aos seus custos. Uma decisão destas acaba sendo um desestímulo ao empreendedorismo, de modo que me parece que a decisão merece, sim, ser reconsiderada.

Outra forma de coibir abusos quanto aos preços das taxas de conveniência e que seria, a meu ver, melhor do que simplesmente proibir a atividade envolvendo a cobrança de taxa de conveniência seria estimular a concorrência no mercado de venda de ingressos online. Isso poderia ser feito tornando obrigatório que mais de uma empresa tivesse o direito de vender ingressos para determinado evento, ou – pelo menos – obrigando as empresas que possuem o direito de distribuição exclusiva a licenciarem este direito para outras empresas em condições razoáveis de mercado. Esta alternativa faria com que houvesse maior concorrência no setor de venda de ingressos online, contribuindo para evitar abusos nos preços.

Como ainda existe outro caso envolvendo o mesmo assunto para ser julgado no STJ, é possível que esta decisão seja revista ao menos em parte, o que seria recomendável em nosso entendimento.

 

*Artigo originalmente postado no Portal R7

18 março de 2019 | 22h24