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Um profissional não imunizado em um ambiente com alto fluxo de pessoas, às vezes trabalhando próximos, pode afetar negativamente na saúde coletiva, que é dever do empregador manter.
Historicamente, poder se vacinar na empresa é uma situação já conhecida no Brasil. É de interesse dos empregadores que a maior parte de sua equipe seja imunizada periodicamente em relação a diversas doenças, especialmente as contagiosas. Além disso, é obrigação da empresa prezar por um ambiente de trabalho saudável e seguro. Por essa razão existe a prática de campanhas anuais de vacinação ofertadas pelos empregadores, normalmente seguindo o mesmo calendário de imunização do SUS para diversos males como: Influenza, H1N1, hepatite B, febre amarela etc.
Para a OMS, a vacinação é o segundo melhor investimento em saúde, ficando atrás, apenas, da garantia do consumo de água potável. Além disso, estudos demonstram que a vacinação dentro do ambiente empresarial é capaz de reduzir em até 32% as faltas ao trabalho1 e que trabalhadores com idade entre 50 e 64 anos perderam 60% menos dias de trabalho do que aqueles que não foram vacinados2. Assim, as vacinas aplicadas nas empresas melhoram o bem estar, evitam doenças que afetam o ambiente e a produtividade do trabalho e ainda previnem a ocorrência de surtos de infecções, promovendo saúde coletiva e individual.
No caso da gripe (Influenza), por exemplo, a vacinação já provou efetiva redução no absenteísmo dos empregados, eis que um grupo de trabalhadores vacinados apresentou um número 25% menor de episódios de gripe e 43% menor de ausências no trabalho3. Além do benefício físico e mental do ponto de vista de saúde, a ação gera economia direta, por pessoa vacinada, à empresa e à sociedade.
Feita essa breve introdução, estamos agora diante de um novo caso de necessidade de vacinação da população. Pensando nisso, no dia 10 de março de 2021 foi sancionada a lei 14.125/21, que prevê a possibilidade de as pessoas jurídicas de direito privado adquirirem, diretamente, vacinas autorizadas pela Anvisa para combater a pandemia causada pela covid-19. A intenção do legislador foi a de acelerar o processo de vacinação no país, concedendo ao ente privado a oportunidade de adquirir doses, vacinar seus empregados e ainda colaborar com o SUS, já que quem adquirir deverá doar ao Estado parte das doses compradas, a depender do andamento da vacinação dos grupos de risco prioritários definidos pelo Plano Nacional de Imunização.
Daí surgiu a dúvida: no caso do empregador, quais cuidados e procedimentos são necessários ao se pensar na imunização em massa de seus empregados, especialmente com vacinas adquiridas com base na lei 14.125/21?
Completado um ano de pandemia do covid-19, ainda com muitas incertezas e até mesmo com agravamentos visíveis em diversos casos, qualquer aceleração é primordial, já que a melhor perspectiva de volta à vida cotidiana normal é a imunização em massa. Do ponto de vista econômico, é fato que grande parte das empresas de todos os setores precisa trazer de volta a movimentação usual ao seu ramo.
Sabe-se que o STF decidiu recentemente que a vacinação no Brasil é obrigatória. O detalhe importante é que não se pode confundir obrigatoriedade com ‘vacinação forçosa’. Porém, a recusa em receber a vacina poderá trazer consequências e impedimentos ao cidadão no ambiente de trabalho e fora dele.
A empresa poderá aplicar as penalidades próprias da CLT ao empregado que se recuse a tomar a vacina sem justo motivo, pensando no ponto de que o direito coletivo à saúde prevalece ao individual neste tipo de cenário. O empregador poderá, também, criar uma exigência sobre a imunização no momento de contratar novos empregados, servindo a Carteira de Vacinação como documento eliminatório no processo seletivo.
Todos esses aspectos não excluem, de plano, a possibilidade de o empregado vacinado intencionar algum tipo de reparação na esfera trabalhista, em razão de eventuais danos que venha a sofrer em decorrência da vacina (os chamados efeitos colaterais ou adversos), ou até mesmo litigar no intuito de comprovar nexo de causalidade entre a contração do vírus e o trabalho.
Pensando nisso, é de fundamental importância que a empresa que opte por vacinar seus empregados de forma independente contra qualquer doença, inclusive o coronavírus, preste todas as informações necessárias aos seus colaboradores antes da vacinação, advertindo-os quanto aos possíveis efeitos adversos apontados pelo fabricante, assim como pontuar eventuais impedimentos na aplicação, seja em razão da faixa etária, de alergia a algum componente ou alguma doença impeditiva pré-existente, tudo isso além de seguir todos os protocolos de guarda, armazenamento e aplicação das doses, inclusive quanto à refrigeração específica, higiene e etc.
Para mitigar ao máximo o risco de ser responsabilizada por tomar providências em relação à eventual recusa do empregado em se vacinar, é importante que a empresa deixe claro a importância da vacinação em massa no ambiente de trabalho e tenha cautela na coleta de informações de quem foi ou não vacinado na empresa. Com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados os dados coletados pela empresa devem respeitar o limite da exata necessidade dessas informações, além de se avaliar se é ou não o caso de obter o consentimento específico do empregado a tanto.
A hesitação contra a vacinação é considerada uma das dez maiores ameaças à saúde global na opinião da OMS. Então todo empenho e esforço por parte do empregador é válido tanto para estimular a vacinação dos seus empregados, quanto para se eximir de eventual responsabilização futura.
Se na esfera particular o cidadão pode sofrer impedimentos por não estar vacinado (ex.: aplicação de multas e restrição de circulação, como proibição de viajar ou entrar em outro país e veto à matrícula da criança não vacinada na escola etc.), o mesmo pode ocorrer na vida profissional, já que uma pessoa não imunizada em um ambiente com alto fluxo de pessoas, muitas vezes trabalhando próximas e com contato físico, pode interferir negativamente na saúde coletiva, que é dever do empregador manter.
Caberá a cada empresa, portanto, recomendar fortemente a vacinação e transmitir aos empregados a segurança que tanto é necessária nesse tema, devendo focar também na tomada de todos os cuidados sanitários para a continuidade da prevenção da Covid-19, como obediência ao distanciamento social, uso de máscaras e manutenção do ambiente de trabalho ventilado e limpo. Além disso, devem se manter atualizadas, inclusive quanto aos laudos técnicos internos, comprovando a boa fé e a preocupação com a proteção da saúde e do bem estar coletivo.
Em eventual reclamatória trabalhista discutindo a responsabilidade e o nexo do coronavírus com o trabalho é fato que será do autor da ação o ônus de comprovar que a doença foi adquirida por má conduta ou omissão de seu empregador, o que não é tarefa fácil e será uma análise de possibilidades. Daí a relevância extrema das empresas em se manterem em conformidade com os parâmetros de prevenção e conscientização aqui sugeridos, demonstrando que fez todo o possível para minimizar riscos de infecção no ambiente de trabalho.
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1 Estudo publicado no Journal of The American Medical Association
2 Estudo publicado na revista Clinical Infectious Diseases
3 Estudo publicado no New England Journal of Medicine
*Artigo postado originalmente no Migalhas.