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Marcos Vinhas Catão e Jorge Luiz de Brito Junior Jurisprudência desonera investimento estrangeiro no Brasil 9 de outubro de 2023

Lei 14.286 e sua regulamentação buscaram facilitar fluxo de capitais, introduzindo diversas mudanças

Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) isentou operações de câmbio simbólico da incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), em uma medida de significativo interesse para o fluxo de capitais e investimentos estrangeiros no Brasil.

O câmbio simbólico servia como um instrumento de controle das divisas no país, além de ser uma fonte de arrecadação fiscal. Na prática, envolvia uma entrada e saída fictícia de quantias em moeda estrangeira, usando recursos disponíveis no exterior. A saída dessa moeda era tratada como pagamento ou aporte no exterior, atraindo assim a incidência de tributos sobre remessas, pagamentos ou créditos, mesmo na ausência de uma cobertura cambial efetiva.

Lei 14.286 e sua regulamentação buscaram facilitar o fluxo de capitais, introduzindo diversas mudanças. Por exemplo, a conversão de investimentos em empréstimos, que anteriormente demandava operações cambiais simultâneas, será exigida apenas até 31 de outubro de 2023.

É importante destacar que a decisão aqui comentada diz respeito a fatos ocorridos antes da Lei 14.286/2021, conhecida como Novo Marco Cambial, mas se alinha com a evolução legislativa e jurisprudencial, que tem tendido a uma maior flexibilização das regras cambiais.

Antes mesmo dessas mudanças, a jurisprudência já havia mitigado a exigibilidade do Imposto de Renda nas operações simultâneas de câmbio. Em 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o simples crédito contábil não era, por si só, o fato gerador do Imposto de Renda na fonte no exterior, pois não se enquadrava nas hipóteses de incidência previstas no artigo 43 do Código Tributário Nacional.

No caso analisado pelo TRF3, um fundo estrangeiro dos EUA possuía ações de uma holding brasileira, que por sua vez detinha participação em outras empresas, incluindo uma empresa brasileira de saneamento básico listada na bolsa brasileira.

Em 2014, a holding brasileira realizou uma redução de seu capital social, transferindo as ações da empresa de saneamento básico para o fundo estrangeiro. Na época, não ocorreu a conversão da modalidade de investimento no Banco Central, ou seja, não houve a migração de um tipo de registro de capital para outro.

Somente em 2016, o fundo estrangeiro impetrou um Mandado de Segurança para evitar a tributação sobre o ganho de capital resultante dessa operação de câmbio simbólico.

A Quarta Turma do TRF3 confirmou a sentença que isentou a tributação, argumentando que o fato gerador do Imposto de Renda Retido na Fonte ocorreu quando as ações da empresa brasileira foram efetivamente transferidas para o fundo estrangeiro.

Embora a decisão não tenha detalhado esse ponto, o entendimento é que essa operação representou uma devolução de bens e direitos do ativo da holding para o sócio (o fundo estrangeiro), e essa devolução poderia ocorrer pelo valor contábil ou de mercado, conforme a Lei 9.249/95.

Na época da devolução, as ações da empresa brasileira poderiam estar desvalorizadas, o que significaria que, mesmo usando o critério de valor de mercado, não teria havido um ganho de capital efetivo.

A situação mudou quando o fundo estrangeiro decidiu modificar a modalidade de investimento junto ao BC. No entanto, o TRF3 concluiu que o câmbio simbólico realizado não representou a liquidação do investimento na empresa brasileira. Portanto, a valorização das ações da empresa representou apenas um ganho de capital potencial, não a aquisição efetiva da disponibilidade econômica e jurídica sobre esse ganho, que só ocorreria com a venda das ações.

Essa decisão do TRF3 é interessante, pois conclui que a mera realização de operações simultâneas de câmbio não equivale à liquidação do investimento, não desencadeando assim a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre o ganho de capital.

É importante destacar que, de acordo com a regulamentação do BC em vigor (Resolução BCB 281), as operações simultâneas envolvem uma operação de compra e uma operação de venda de igual valor, moeda, data de contratação e data de liquidação, mesmo que não envolvam movimentação de valores. No entanto, essa decisão do TRF3 argumenta que essas operações não representam uma efetiva movimentação de divisas e, portanto, não configuram a liquidação do investimento em ações, o que não acionaria o fato gerador do Imposto de Renda Retido na Fonte.

Em resumo, a decisão do TRF3 se baseia em duas premissas que questionam a exigibilidade de tributos nas operações de câmbio simbólico no contexto do fluxo de capitais. A primeira, considera que não há uma disposição efetiva do investimento, apenas uma formalização do câmbio simbólico, o que é coerente com a contabilidade e a legislação fiscal e alinha-se com o espírito do Novo Marco Cambial. A segunda se alinha àquela já desenhada pelo STJ em 2020, conforme acima mencionado, ao afirmar taxativamente que as operações de câmbio simbólico devem ser vistas sob a ótica das disposições do artigo 43 do Imposto de Renda.

Chega em boa hora a decisão, ao criar uma amálgama entre a jurisprudência e a nova regulamentação cambial que vai extirpando aos poucos a exigibilidade dessas operações, desburocratizando o fluxo de capitais com impacto direto sobre o investimento estrangeiro no país.

Só que, diferentemente do novo marco cambial, que tem, por questões óbvias, efeitos prospectivos, a jurisprudência que se vai consolidando sobre a matéria possui efeitos retroativos. Há de alcançar, por conseguinte, operações similares sobre as quais possa existir a pretensão, a nosso ver indevida, de pagamento do Imposto de renda.

*Artigo publicado originalmente no JOTA.