Mídia
Na tentativa de disciplinar a transferência dos créditos de ICMS entre os estabelecimentos da mesma empresa, em razão do que foi decidido pelo STF no julgamento da ADC49, foi publicado o Convênio 174/2023 pelo CONFAZ. As principais regras trazidas pelo referido convênio podem ser resumidas da seguinte forma:
1. A transferência dos créditos de ICMS é obrigatória;
2. Os créditos serão transferidos mediante a emissão de nota fiscal, sendo que o campo relativo ao ICMS constante no documento fiscal será utilizado para informar o valor do crédito transferido;
3. O crédito a ser transferido será obtido mediante a aplicação das alíquotas das operações interestaduais (4%, 7% ou 12%) sobre as seguintes bases de cálculo: (i) valor da entrada mais recente, para empresas mercantis; (ii) custo de produção (matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento), para industriais; e (iii) custo de produção (gastos com insumos, mão-de-obra e acondicionamento), no caso de produtos primários;
4. Eventuais benefícios fiscais que seriam considerados numa operação normal de venda (para terceiro) também devem ser aplicados para calcular o valor do crédito a ser transferido; e
5. As transferências não importam, necessariamente, no cancelamento de benefícios fiscais concedidos pelos Estados de origem.
Percebe-se que o convênio manteve as regras que já estavam em vigor na Lei Kandir para calcular o ICMS devido nas transferências, com pequenas modificações.
Ocorre que o Estado do Rio de Janeiro rejeitou o convênio em 16/11/23 (Decreto nº 48.799/23). A rejeição foi formalizada pelo CONFAZ por meio do Ato Declaratório nº 44/23, publicado em 20/11/23. Ou seja, ele sequer entrará em vigor e os Estados, se assim entenderem, deverão buscar a aprovação de novo convênio no CONFAZ.
A rejeição do convênio pelo Estado do Rio de Janeiro se deu principalmente porque o STF, ao julgar a ADC 49, garantiu o direito dos contribuintes de manter e transferir os créditos da entrada em razão das transferências, direito este que é uma faculdade e não uma obrigação. Ou seja, na visão do Estado, deveria ser facultativa a transferência dos créditos.
Além deste argumento, entendemos que o Convênio 174/2023 é questionável pelos seguintes motivos: (i) as regras do convênio são reservadas à Lei Complementar (arts. 146, III, “b”, e 155, §2º, XII, “f”, da CF); e (ii) a transferência obrigatória dos créditos pode equivaler a exigir o ICMS ou impossibilitar que o crédito da entrada seja transferido integralmente, o que conflita com a ADC49. Para tonar mais concreto esse último apontamento, pensemos nos seguintes exemplos:
a. Aquisição de mercadoria em operação na qual o ICMS pago foi de 7%. A transferência será calculada sobre o valor da entrada mais recente, aplicando-se a alíquota interestadual de 12%. Nesse caso, os créditos da entrada (7%) serão com certeza inferiores ao “débito” da transferência (12%), o que fará com que a empresa tenha que pagar ICMS ou reduzir saldo credor em razão da transferência. Tal situação confronta diretamente com a ADC49, pois tal sistemática equivale a exigir o ICMS em razão da transferência;
b. Aquisição de mercadoria em operação na qual o ICMS foi de 18%. A transferência será calculada sobre o valor da entrada mais recente, aplicando-se a alíquota interestadual de 12%. Nesse caso, o crédito da entrada (18%) é superior ao “débito” da transferência (12%) e o contribuinte não poderá transferir todo o crédito da entrada. Essa situação também vai contra o decidido na ADC49, pois limita o direito do contribuinte de transferir todo o crédito da entrada.
Ou seja, o que está mais alinhado com a decisão do STF na ADC49 seria garantir a transferência dos créditos da entrada (ou seja, fazer com que o crédito acompanhe a mercadoria) e não estabelecer um valor de ICMS para a transferência que esteja desvinculado com o crédito da entrada.
Importante lembrar que estão em trâmite no Congresso Nacional dois Projetos de Lei Complementar para tratar das transferências de créditos de ICMS entre estabelecimentos da mesma empresa. Um deles já foi aprovado pelo Senado (PLP nº 332/2018) e aguarda votação na Câmara dos Deputados. O outro (PLP 148/21) foi apresentado na Câmara dos Deputados e ainda não teve a sua votação iniciada.
Percebe-se, portanto, que o cenário atual é de incertezas, já que o convênio que regulamentaria a transferência dos créditos, apesar de questionável, foi rejeitado, e os projetos de lei ainda não foram analisados pelo Congresso Nacional.
De toda forma, é importante que as empresas se preparem para o ano de 2024 e planejem seus negócios, definindo qual o modelo de operação mais vantajoso com base nas possíveis novas regras que entrarão em vigor.
Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.