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Karina Santos. Proposta de Reforma do Setor Elétrico 25 de abril de 2025

O Setor Elétrico Brasileiro (“SEB”) vem passando por um processo de liberalização progressivo desde a década de 90. Em que pese as propostas de abertura de mercado debatidas em consultas públicas, o Projeto de Lei nº 414/2019 já engavetado, e rumores de medida provisória para endereçar o tema superados, na semana passada o Ministério de Minas e Energia (“MME”) apresentou à Casa Civil um projeto de reforma do setor (“PL” ou “Proposta”).

A Proposta é estruturada sob três eixos: (i) abertura do mercado de energia, permitindo que os consumidores escolham seus fornecedores de energia elétrica, o que aumentará a competição setorial; (ii) justiça tarifária, via revisão e ampliação da Tarifa Social de Energia Elétrica (“Tarifa Social”); e (iii) revisão dos encargos setoriais.

A abertura de mercado é proposta a partir de março de 2027 para os consumidores de baixa tensão dos segmentos industrial e comercial, e a partir de março de 2028 para os consumidores residenciais. A proposta de liberalização do mercado vem acompanhada da criação do Supridor de Última Instância (“SUI”), isto é, o agente que irá garantir o suprimento de energia aos consumidores livres quando a respectiva geradora ou comercializadora não conseguir atendê-los.

No que se refere à Tarifa Social, o PL propõe isentar do pagamento de energia famílias com renda mensal “per capita” entre meio e um salário-mínimo, no limite de até 80 kWh/mês. Entretanto, considerando o montante médio de consumo de 170 kWh/mês das famílias brasileiras, na prática a isenção proposta será um desconto parcial na conta de luz.

E como o MME calcula o impacto da ampliação da Tarifa Social em ~R$ 3,6 bilhões, medidas são necessárias para se reduzir a tarifa de energia. Dentre elas, sugere-se a limitação dos descontos das tarifas fio (TUST/TUSD) ao final da vigência dos atuais contratos de compra e venda de energia e, ainda, a restrição do conceito de autoprodutor por equiparação; ou seja, a extensão dos benefícios da autoprodução a investidores de projetos renováveis. Pela Proposta, a autoprodução por equiparação será permitida caso haja demanda mínima de 30MW, participação societária mínima de 30% e, ainda, que o autoprodutor seja dono do projeto no momento da outorga do empreendimento.

Entende-se que tais propostas podem resultar no registro de contratos “vazios” somente com o intuito de assegurar a manutenção dos descontos da tarifa fio atualmente existentes. E embora já esperada pelo mercado, a alteração dos critérios da autoprodução por equiparação também deve impactar o desenvolvimento de projetos renováveis nos próximos anos, além de resultar em uma nova “corrida do ouro” para garantir novas outorgas antes da aprovação do PL.

Em que pese outros assuntos relevantes também constam na Proposta apresentada à Casa Civil (novas modalidades tarifárias, endereçamento dos passivos judiciais do risco hidrológico, flexibilização da obrigação de contratação de energia pelas distribuidoras, dentre outros), temas altamente relevantes para a remodelagem do SEB foram deixados de lado.

É o caso do impacto da abertura do mercado na remuneração das distribuidoras cujos pedidos de renovação das concessões estão sendo atualmente avaliados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”). No mesmo sentido, o iminente vencimento dos contratos de concessão das usinas hídricas e a valoração de seus atributos – essenciais à segurança e confiabilidade do SEB – não foram incluídos na Proposta do MME. Os contratos de longo prazo firmados pelas distribuidoras para atendimento aos consumidores que, no novo contexto regulatório, poderão migrar ao mercado livre (os “contratos legados”), também não são endereçados na Proposta. Ainda, e sem a pretensão de exaurir o tema, os impactos econômico-financeiros e operacionais relacionados à intensa inserção das centrais de micro e minigeração distribuída (“MMGD”) no Sistema Interligado Nacional (“SIN”) são desconsiderados.

Desafios não faltam à abertura do mercado livre; entretanto, a nova modelagem proposta – ainda passível de ajustes pela Casa Civil e, posteriormente, pelo Congresso Nacional – deve necessariamente rever com isenção técnica os sinais econômicos atualmente praticados. Aguardemos o texto final.

Karina Santos é Senior Manager do time de Sustentabilidade Corporativa do Gaia, Silva, Gaede Advogados. Graduada em Direito pela PUC/SP, L.L.M. pela Direito GV, Mestrado em Regulação pela London School of Economics and Political Science (LSE), MBA com ênfase no Setor Elétrico pela FGV Projetos e MBA em Gestão de Riscos da Comercialização de Energia Elétrica pela CCEE/USP (em andamento). Possui mais de 15 anos de experiência em regulação. Membro da LACLIMA, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e do Infra Women Brasil (GT Energia).