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Maurício Barros e Jorge Luiz de Brito Junior A INCIDÊNCIA OU NÃO DE ICMS NAS TAXAS DE ENTREGA DE APPS 6 de abril de 2020

Análise da exigência da SEFAZ/SP em incluir taxas de intermediação e de entrega cobradas pelos apps na base de cálculo do ICMS

A Secretaria da Fazenda do Estado do São Paulo divulgou a Resposta à Consulta Tributária 20827/2019, de 04 de dezembro de 2019, em que concluiu que tanto a taxa dos aplicativos como a atinente à entrega de refeições deveriam ser incluídas na base de cálculo do ICMS e, consequentemente, no Cupom Fiscal Eletrônico do restaurante fornecedor.

O fundamento apresentado pela SEFAZ/SP é o art. 37, §1º, do Regulamento de ICMS, que determina a inclusão, na base de cálculo do imposto, (1) de seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, descontos concedidos sob condição, bem como o valor de mercadorias dadas em bonificação; e (2) frete, se cobrado em separado, relativo a transporte intramunicipal, intermunicipal ou interestadual, realizado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem.

Entendemos que o entendimento da SEFAZ/SP é questionável.

A taxa paga aos apps constitui o preço do serviço básico desempenhado por eles, que poderia ser enquadrado como serviço de intermediação entre os restaurantes e consumidores, presente na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03 e, portanto, na esfera da competência tributária dos municípios, por meio do ISS.

De partida, portanto, notamos que, ao pretender incluir a taxa dos apps na base de cálculo do ICMS devido pelos restaurantes, o entendimento da SEFAZ/SP implica em uma dupla imposição, além de invasão da competência tributária dos municípios. Essa invasão é dupla, pois, além de a taxa cobrada pelo app estar sujeita ao ISS (intermediação), o serviço de transporte que é contratado pelo próprio app também é sujeito ao ISS, na medida em que as entregas ocorrem dentro da circunscrição de um mesmo município (item 16.02 da lista anexa à Lei Complementar 116/03).

Além disso, diferentemente do entendimento manifestado pela SEFAZ/SP, a referida taxa não se trata de importância “paga, recebida ou debitada” aos restaurantes, uma vez que normalmente é cobrada em separado. Ao realizar a intermediação dos pagamentos, portanto, o app já repassa aos restaurantes o valor que lhes é cabível, líquido da taxa pertencente ao app.

Logo, desde o momento em que o consumidor realiza a compra na plataforma online,  os valores percebidos pelo app que a gerencia, e que são cobrados em separado, já estão indissociavelmente vinculados aos aplicativos, não se tratando de um valor pago ou recebido pelos restaurantes, pois, em nenhum momento, os valores pertinentes à taxa a que fazem jus os apps transitam pelas suas contas sob os pontos de vista financeiro ou contábil. Ao reconhecer a receita atinente à venda, os restaurantes devem contabilizar, em suas contas de resultado, o montante atinente ao pagamento já líquido da taxa devida aos apps. Não há, dos pontos de vista contábil ou financeiro, nenhum débito a título dessa taxa devida aos apps.

Quanto à taxa de entrega, referente à intermediação entre os entregadores e os consumidores, ela não se confunde com o serviço de entrega em si, realizado pelos entregadores individuais cadastrados na plataforma gerida pelo app.

Vale ressaltar que, ao se cadastrar nas plataformas online, os entregadores aderem a uma contratação específica com os apps, em que esses prestadores assumem a responsabilidade civil pelos serviços de entrega que realizam, cabendo aos aplicativos – que são, sobretudo, empresas de tecnologia – apenas a intermediação, de modo a facilitar o encontro entre oferta e demanda por serviços de entregadores. O Poder Judiciário, inclusive, tem rechaçado as tentativas de caracterização de uma relação de trabalho entre os apps e os entregadores individuais, ao reconhecer a autonomia do serviço desempenhado pelos entregadores individuais em relação à atividade básica dos apps.[1]

Por previsão contratual, uma parte do valor coletado pelos apps a título de taxa de entrega é repassado aos entregadores individuais, correspondente ao valor percebido pelos serviços que desempenham sob sua conta e risco. Logo, não há sentido em se enxergar, nessa taxa de entregas, um “frete” arcado pelos restaurantes, ou mesmo realizado por sua conta e ordem, como pretendeu a SEFAZ/SP. A contratação que se dá ocorre entre o consumidor final – que arca, financeiramente, com a taxa de entrega (nela incluída a remuneração dos entregadores) – e os entregadores individuais. Do ponto de vista civil/contratual, não há nenhum vínculo entre os entregadores e os restaurantes que fornecem as refeições.

Objetivamente, o “frete” correspondente aos serviços prestados pelos entregadores não é arcado pelos restaurantes e nem compõe o preço de venda das mercadorias que é exibido ao consumidor quando esse visualiza as opções de pratos disponibilizadas nas plataformas online dos apps. Ao pretender tributar aquilo que não se caracteriza, efetivamente, como parte da operação de venda de mercadorias, a interpretação da SEFAZ/SP incorre em inconstitucionalidade.

Dessa forma, entendemos que os restaurantes têm fortes argumentos jurídicos para questionar a posição adotada pela SEFAZ/SP, ao exigir a inclusão das taxas de intermediação e de entrega cobradas pelos apps na base de cálculo do ICMS referente à venda das mercadorias.

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[1] Vide recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ): TST-RR-1000123-89.2017.5.02.0038, Quinta Turma, Ministro Relator Breno Medeiros, 05/02/2020/STJ, CC nº 164.544/MG, Segunda Seção, Min. Relator Moura Ribeiro, 28/08/2019

 

 

Fonte: JOTA em 05/04/2020 às 09:59