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Paulo Maximilian & Pedro Sardinha. A indenização por danos decorrentes da mora aduaneira 28 de maio de 2025

Certamente, todos aqueles que, de alguma forma, atuam na rotina aduaneira já se depararam com percalços na efetivação dos despachos de importação ou exportação de mercadorias, especialmente em decorrência dos movimentos grevistas frequentemente deflagrados pelos auditores da Receita Federal do Brasil. Todavia, e sem qualquer juízo de valor sobre as reivindicações da categoria, o exercício do direito de greve — embora assegurado pelo art. 37, inciso VII, da Constituição Federal — deve ser necessariamente compatibilizado com o Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos, nos termos do art. 9º da Lei nº 7.783/1989.

Tal direito também deve observar o Princípio da Eficiência Administrativa, que, no caso específico da atividade aduaneira, deve ser interpretado em conjunto com o disposto no art. 4º do Decreto nº 70.235/1972, o qual estabelece o prazo de oito dias para a conclusão do desembaraço aduaneiro.

Não obstante essas determinações legais, além dos episódios envolvendo greves, outra forma deveras prejudicial aos que dependem dos serviços aduaneiros pode ser verificada quando se extrapola o prazo legal de oito dias por terem sido formuladas exigências com pouca ou nenhuma relação com o processo de importação ou exportação em si, tão somente para simular movimentação e prorrogar, de forma artificial e indefinida, o referido prazo.

Tais paralisações ou exigências desproporcionais podem — e devem — ser combatidas por meio de Mandado de Segurança, com vistas a assegurar a liberação da mercadoria dentro do prazo legal, conforme respaldo consolidado na jurisprudência dos tribunais federais.

Mas, diante desse cenário de ilegalidade, poderá o contribuinte, que deu início regular ao processo de importação ou exportação e sofreu atrasos imputáveis exclusivamente à mora da Administração Pública, buscar a reparação dos danos perante o Poder Judiciário? A resposta é afirmativa.

Independentemente do motivo (greve, ineficiência ou outro qualquer), quase sempre os atrasos na regularização dos trâmites aduaneiros acarretam vários prejuízos e, para que se obtenha êxito nas demandas judiciais, o contribuinte deverá, em primeiro lugar, identificar corretamente a natureza de seu dano e, depois, produzir as provas adequadas para quantificá-lo.

Tratando-se de perda de carga perecível, haverá dano pela perda da própria carga, mas em todos os casos, de bens perecíveis ou não, é bastante provável que haja custos adicionais com armazenagem prolongada, aumento do preço do frete e/ou seguro, demurrage e, sobretudo, as multas contratuais em razão de descumprimento de prazos com seus clientes. Em face de todos esses eventos, o interessado poderá requerer reparação de danos materiais (emergentes), acompanhados de todas as provas e cálculos.

Noutros casos, e os exemplos clássicos são as frutas secas do Natal e o bacalhau da Páscoa, as mercadorias retidas perderão muito do valor após as datas comemorativas e, provavelmente, restarão encalhadas até perecerem. Nessas situações o pedido deverá ser endereçado sob a forma de lucros cessantes, preocupando-se o demandante com a demonstração clara do lucro suprimido (decorrente do não faturamento), o que pode se dar por meio de comprovações de anos anteriores ou mesmo de um business plan específico.

Já quando se tratar de importações/exportações destinadas a eventos específicos, tais quais exposições, concursos ou disputas esportivas, diante da impossibilidade de quantificação, a indenização poderá ser requerida através da Perda de uma Chance. Por fim, menos comum, mas não descartado, está o pedido de danos morais para quando a “mora aduaneira” for a causadora de abalo na reputação da pessoa, física ou jurídica (súmula 227 do E. STJ), como acontece, por exemplo no descumprimento de vários contratos ensejando notícias desairosas que venham a pioram a imagem do indivíduo ou empresa no seu meio profissional.

Corroborando o exposto acima, a E. 13ª Turma do TRF-1 decidiu, por ocasião do recente julgamento da Apelação nº 0015288-98.2015.4.01.3200, manter condenação da União em danos materiais e morais decorrentes da retenção indevida de embarcação, por parte da Receita Federal do Brasil pois “a retenção baseou-se em presunções infundadas sobre a capacidade financeira da autora, sem amparo em provas concretas” e, ainda, que o “dano material foi demonstrado por meio de notas fiscais que indicam os valores de armazenamento e aluguel de reboque (…)” enquanto o “dano moral foi configurado pela retenção prolongada e injustificada dos bens, sendo aplicável a Súmula 227 do STJ, que admite a reparação moral a pessoa jurídica.”

Conclui-se, portanto, que a “mora aduaneira”, independentemente de sua causa, viola o princípio da eficiência administrativa e pode causar várias espécies de danos indenizáveis ao contribuinte, que devem buscar no Poder Judiciário tal reparação.

Artigo publicado originalmente no Portos & Navios.