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Priscila Mara Casarolli A quantificação do dano moral na reforma do Código Civil 22 de agosto de 2024

A reforma tributária e seus impactos vêm sendo amplamente tratados em todos os veículos de comunicação. Contudo, há outra reforma igualmente importante que também merece atenção: a reforma do Código Civil.

No dia 17 de abril de 2024, após 180 dias de intensos trabalhos, a comissão de juristas responsável pela revisão da Lei nº 10.406/2002 – nosso Código Civil vigente – entregou a versão final do anteprojeto de lei ao Plenário do Senado Federal.

Todos os capítulos do código receberam propostas relevantes de alteração, as quais impactarão diretamente a vida do cidadão, desde antes do nascimento até após sua morte, passando pelo casamento, regulação de empresas e contratos, além de regras de sucessão. Houve também a sugestão de inclusão de um capítulo tratando exclusivamente de direito digital.

Interessa-nos aqui tratar do capítulo de responsabilidade civil, que é onde todas as desavenças da vida privada são resolvidas.

Sem dúvidas, esse foi um dos capítulos que mais apresentou propostas de alteração. E isso porque, segundo os membros dessa subcomissão, os dispositivos desse capítulo ainda dialogavam com o Código Civil de 1916, ou seja, estavam bastante defasados, e não eram suficientes para resolver os problemas da sociedade atual.

Nesse sentido, uma das principais propostas de alteração diz respeito à quantificação do dano moral.

Atualmente, nem a Constituição Federal (art. 5º, V e X), nem o Código Civil (art. 944) trazem parâmetros para a fixação de indenização, limitando-se tratar que “A indenização mede-se pela extensão do dano.”

Tal previsão, por ser bastante aberta, sempre permitiu uma certa margem de subjetividade e discricionaridade para a fixação da indenização por parte dos julgadores. A ausência de critérios objetivos para a definição de valores fez com que situações muito semelhantes recebessem soluções totalmente discrepantes. Uma inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito pode gerar uma indenização de R$ 2 mil ou até de R$ 200 mil. O mesmo ocorre para o caso de extravio de bagagem: um passageiro pode ser indenizado em R$ 2 mil e outro, tendo passado pela mesma situação, pode chegar a receber uma indenização de R$ 20 mil. Portanto, este sempre foi um tema que gerou bastante discussão no Poder Judiciário.

Com o objetivo de reduzir tamanha discricionariedade, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino desenvolveu o método bifásico, segundo o qual, o julgador primeiro arbitra um valor de indenização tendo como base precedentes judiciais em casos de violação ao mesmo bem jurídico e, num segundo momento, analisa as peculiaridades do caso concreto.

Esse método foi amplamente aceito pela doutrina e passou a ser considerado precedente obrigatório pela jurisprudência.

O que a subcomissão propõe, inicialmente, é a inclusão desse método no Código Civil (art. 944-A, § 1º).

 

1º Na quantificação do dano extrapatrimonial, o juiz observará os seguintes critérios, sem prejuízo de outros:

I – quanto à valoração do dano, a natureza do bem jurídico violado e os parâmetros de indenização adotados pelos Tribunais, se houver, em casos semelhantes;

II – quanto à extensão do dano, as peculiaridades do caso concreto, em confronto com outros julgamentos que possam justificar a majoração ou a redução do valor da indenização.

 

Além disso, com relação à extensão do dano, a subcomissão propõe estabelecer parâmetros, como (i) o nível de afetação em projetos de vida relativos ao trabalho, lazer, âmbito familiar ou social; (ii) o grau de reversibilidade do dano; e (iii) o grau de ofensa ao bem jurídico (art. 944-A, § 2º).

Outra grande novidade do projeto – e talvez a que tem sido mais comentada pela comunidade jurídica – é a previsão de uma sanção pecuniária de caráter pedagógico em casos de especial gravidade, havendo dolo ou culpa grave por parte do ofensor ou em hipóteses de reiteração de condutas danosas (art. 944, § 3º).

A subcomissão propõe ainda que referida sanção pecuniária será proporcional à gravidade da falta e poderá ser agravada até o quádruplo dos danos fixados, considerando a condição econômica do ofensor (§ 4º) e que o juiz levará em consideração eventual condenação anterior do ofensor pelo mesmo fato (§ 5º).

Por fim, sugere a inclusão de um dispositivo prevendo que o juiz poderá reverter parte dessa sanção de caráter pedagógico em favor de fundos públicos destinados à proteção de interesses coletivos ou de estabelecimento idôneo de beneficência, no local em que o dano ocorreu (§ 6º).

Vale mencionar que, boa parte do que está sendo proposto pela subcomissão de juristas já vinha sendo praticado pela jurisprudência, mas por não haver previsão legal, muitas vezes acabava não sendo observado nos julgamentos, gerando insegurança jurídica.

Portanto, de maneira bastante sintética, o que se pretendeu com a referida proposta, além de positivar entendimento doutrinário e jurisprudencial, foi a inclusão de critérios objetivos e parâmetros que norteiem as decisões dos julgadores, a fim de evitar – ou ao menos reduzir – que sejam dadas soluções muito discrepantes para situações semelhantes.

O projeto de lei ainda passará por votação no Senado Federal e, em seguida, será encaminhado para a Câmara dos Deputados. Portanto, ainda não há certeza quanto à aprovação das propostas acima, nem previsão para o início da vigência do “novo” Código Civil.

De todo modo, diante da grandiosidade dessa reforma e dos impactos que elas certamente causarão a toda pessoa, seja ela física ou jurídica, é importante acompanhar com bastante atenção seu desdobramento e se antecipar naquilo que for possível.