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A reforma tributária é pauta conhecida no Congresso Nacional há décadas. Dentre as propostas em tramitação, a PEC nº 45/2019, aprovada recentemente na Câmara dos Deputados e que segue para apreciação pelo Senado Federal, tem sido a mais debatida pelos parlamentares neste ano de 2023.
Atualmente, propõe-se a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União. Esses tributos substituirão o ICMS, o ISS, o PIS e a Cofins.
Além disso, prevê-se a criação do Imposto Seletivo (IS), de competência da União, que substituirá o IPI. De acordo com o texto atual das propostas, o IS incidirá sobre a produção, importação ou comercialização de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Trata-se, em essência, de um tributo de natureza extrafiscal, cujo objetivo é desestimular o consumo desses bens e serviços.
Assim, a primeira dúvida que surge é: quais critérios serão adotados para se definir o que é prejudicial à saúde ou ao meio ambiente? Operações com cigarros e bebidas alcóolicas são exemplos comumente citados de bens que podem ser tributados pelo IS. Contudo, cabe questionar: sobre quais outros bens e serviços incidirá esse tributo?
Durante as audiências públicas e reuniões setoriais realizadas pelo Grupo de Trabalho destinado a debater a PEC nº 45/2019 na Câmara de Deputados, surgiram diversas demandas para restringir o uso do IS. No entanto, optou-se por manter a redação ampla e transferir a definição de suas especificidades para a discussão infraconstitucional, ou seja, a incidência do IS poderá ser estabelecida por meio de lei.
A análise mais técnica e mais lógica da matéria nos leva à firme conclusão de que não há risco de incidência do Imposto Seletivo sobre a energia elétrica. Afinal, além dela ser essencial à economia, como inclusive reconheceu o STF no julgamento do Tema 745 de Repercussão Geral, temos no Brasil um grande e inequívoco exemplo mundial na produção de energia limpa proveniente de fontes hidráulica, eólica, biomassa e solar. Mas,…
Por estarmos no Brasil e calejados por tantos tributos cobrados ao completo arrepio do bom-senso, não podemos deixar de mencionar que, da forma como está a nossa PEC nº 45/2019, a porta está sim, e infelizmente, aberta a essa cobrança do IS sobre a energia elétrica.
E por que fazemos essa afirmação? A resposta é simples. Vejam que o art. 155 da CF, já com a redação proposta pela PEC nº 45/2019, em seu §3º, diz expressamente que à exceção do ICMS, do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação, do Imposto Seletivo e do IBS, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica. Ora, se nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica, significa dizer, a contrário senso, que o IS poderá incidir sobre energia elétrica, nos termos da lei que o instituir e regulamentar.
Mesmo sendo louvável a iniciativa do Congresso Nacional de tentar reduzir o nosso Carnaval Tributário, como já nos dizia Alfredo Augusto Becker, não podemos fechar os olhos para as inúmeras situações esdrúxulas que já vivenciamos em nosso sistema de tributação ao longo das últimas três décadas. Basta apertar o caixa público para surgirem as ideias criativas de geração de receitas tributárias, mesmo que, em sua maioria, essas ideias contrariem de forma clara a intenção do nosso legislador constituinte.
Sendo a energia elétrica um recurso essencial e de inegável importância para a economia de qualquer país, cujo preço impacta em todos os produtos e serviços, visto que não há atividade econômica sem energia elétrica, é hora de convocarmos o Senado Federal a impedir que essa torneira permaneça aberta. Sabemos que hoje a intenção do Congresso Nacional não é tributar, pelo Imposto Seletivo, a energia elétrica, mas não podemos deixar de evitar que uma futura composição do Congresso venha a querer aproveitar essa porta que ficará aberta.
Que o nosso Senado Federal perceba a importância que esse tema tem para a economia nacional em todos os seus setores, de forma a bloquear qualquer possibilidade de cobrança do Imposto Seletivo sobre a energia elétrica. Isso porque, ao contrário de outras brigas setoriais, lutar pela não tributação da energia elétrica é lutar, igualmente, por toda a economia brasileira, pois o encarecimento da energia elétrica traz nocivas consequências para todos os produtos e serviços que são vendidos no Brasil.
Assim, é de extrema importância que o novo Texto Constitucional afaste expressamente qualquer hipótese de incidência do Imposto Seletivo sobre a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, para garantir o acesso mais barato a um recurso tão essencial para a população e impedir o efeito nocivo de sua repercussão nos preços dos nossos produtos e serviços.
*Artigo publicado originalmente no Estadão.