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É notório que, para a solução de controvérsias que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis, há a possibilidade de as partes se socorrerem da arbitragem. Isso está positivado no artigo 1º da Lei 9.307/1996. Assim, quando em um contrato as partes decidem renunciar à jurisdição estatal em favor de um tribunal arbitral, elas devem estar plenamente cientes das consequências de tal ato de vontade.
De pronto, cumpre entender quais são os motivos que impulsionam os contratantes para o juízo paraestatal. De pronto, é possível afirmar que esses são três, a saber: tempo, sigilo e conhecimento específico do Tribunal.
O primeiro é notório, afinal, o ônus temporal a que as partes são submetidas até a tão sonhada efetividade jurisdicional no Poder Judiciário é demasiadamente longo. Dada a dinâmica das relações contratuais, uma decisão de mérito que demore anos para ser efetivada será traduzida em prejudicial para as partes, o que, em última instância, não traz paz social.
Ainda sobre o aspecto temporal da arbitragem, é importante esclarecer que, mesmo em casos complexos, a lide é solucionada em meses, o que significa dizer que, por exemplo, poderá ocorrer a exclusão de determinado sócio em um curto espaço de tempo sem que esse permaneça na empresa tumultuado o dia a dia da sociedade.
Já o sigilo é algo extremamente relevante e desejável para as partes. Ora, a regra do processo judicial é que ele seja público, sendo que somente em determinadas situações será sigiloso¹. Sendo assim, não se imagina que determinada discussão possa ser levada ao Poder Judiciário com a exposição de dados sensíveis a terceiros. Imagine-se a discussão sobre a exclusão de sócio de uma empresa com a necessidade de discussão sobre seu acordo de acionistas; caso tal demanda não possua cláusula arbitral, qualquer um poderá ter acesso aos documentos pelo site do respectivo Tribunal de Justiça. Logo, buscando justamente resguardar informações relevantes e preciosas que, para determinados contratos e situações, as partes preveem a cláusula compromissória.
O terceiro elemento que nos faz crer pela opção do Tribunal Arbitral para solução de conflitos é a sua especificidade técnica. É importante esclarecer que não há demérito algum no fato de Poder Judiciário solucionar conflitos, bem da verdade, é seu mister constitucional. Entretanto, o mesmo juiz que solucionará uma questão relevante em um contrato complexo, é o mesmo que julgará uma indenizatória por acidente de trânsito. Sem demérito ao último caso, nos parece crer que o primeiro caso exigirá mais estudo e dedicação do magistrado, o que, dado ao volume de casos, é impossível ter. Já na arbitragem, o Tribunal Arbitral é composto por especialistas na matéria, o que garante uma maior qualidade no laudo arbitral e não um julgamento açodado.
Em que pese sua celeridade, sigilo e técnica, a decisão arbitral não é passível de recursos. Ou seja, exceto por eventuais erros materiais, obscuridade, dúvida ou contradição, as partes se submeterão desde já àquela análise do mérito, restando apenas a possibilidade de ajuizamento de ação declaratória anulatória de sentença arbitral. Note que, aqui, é possível depreender que essa inexistência de recurso é consequência direta da atuação de especialistas na matéria sub judice.
Veja, esse é apenas um ponto que entendemos de destaque. Como dito acima, a renúncia à jurisdição estatal é feita por meio de cláusula compromissória, a qual em muitas das vezes não está revestida da boa técnica em sua redação, existindo lacunas, o que significa dizer que é uma cláusula “vazia” ou “em branco”, que podem até mesmo chegar a impedira instauração do tribunal arbitral ou mesmo a nomeação de árbitros. Um exemplo: imagine-se que as partes tenham escolhido determinada instituição arbitral e, quando de sua instauração, essa não mais existe; neste caso, continuaria válido o compromisso arbitral?
Importante destacar que existem graus patológicos da cláusula compromissória, sendo que os mais simples podem ser solucionados prima facie pela instituição arbitral, fazendo uma colmatação da convenção de arbitragem com seu Regulamento e, uma vez nomeados os árbitros, ela poderá ser revisada por eles próprios. Porém, para quando a forma como a vontade das partes foi expressa impede inclusive a instauração da arbitragem e nomeação dos árbitros, o artigo 7º da Lei de Arbitragem possibilita que a cláusula lacunosa seja retificada para possibilitar a formação do tribunal. Sem prejuízo de as partes, de comum acordo, complementarem a cláusula compromissória sanando suas patologias.
Outro ponto de extrema importância no procedimento arbitral é a nomeação dos árbitro se aceitação desse encargo. Como dito anteriormente, na arbitragem, as partes relegam para um terceiro a solução de uma controvérsia, e para isso ocorrer deve haver algo básico, que é a confiança. Tanto é assim que o artigo 13 da Lei de Arbitragem coloca a confiança como requisito. Afinal, “confia-se na honestidade de outrem, pois inspira padrão de conduta proba, respaldando a atribuição de alguma incumbência, no que se inclui a celebração de um contrato, dado que merecedora de fidúcia, de fé.”²
Com efeito, em havendo nomeação de um profissional como árbitro, sem prejuízo de as partes apresentarem impugnações, ele tem que aceitá-lo. Dada a importância da confiança na arbitragem, impõe-se ao árbitro nomeado o dever legal de revelação de qualquer fato que possa macular sua imparcialidade e independência.
Ainda, importante dizer que cada Instituição Arbitral possui o seu regulamento, sobre o qual é desejável que as partes tenham ciência antes de indicar referido tribunal na cláusula compromissória. Isso porque existem especificidades de cada Câmara, não havendo que se falar na aplicação do Código de Processo Civil, salvo se expressamente ressalvado pelas partes e para quais situações.
Enfim, existe uma infinidade de aspectos práticos da arbitragem no Brasil, sendo que este artigo nem de longe tem a intenção de aprofundar as questões nele expostas, servindo apenas como um provocador aos contratantes, considerando-se os prós e contras desse meio alternativo de solução de disputas.
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¹ Art. 189/CPC
² NANNI, Giovani Ettore, Confiança na arbitragem: o seu papel no contrato intuito personae de árbitro. Comitê Brasileiro de Arbitragem e a Arbitragem no Brasil. Almedina,2022, p. 279
*Artigo publicado originalmente no Estadão.