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Para advogados, regulação é urgente porque avanço de projetos verdes exige tempo e demanda estrutura de longo prazo
As discussões multilaterais durante a COP28 indicam que um arcabouço jurídico claro e consistente nos âmbitos nacional e global será fundamental para a atração de investimentos em meio ao cenário de emergência climática. Outros desafios serão a construção de pontes entre os países para viabilizar um mercado de carbono consistente e um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia que viabilize o avanço de atividades com baixa emissão de carbono com a participação da população local nas decisões.
A avaliação, feita ao Valor, é de advogados que participaram da conferência global realizada em Dubai, nos Emirados Árabes. “Do ponto de vista jurídico, a diferença é que agora os países precisam ter legislações próprias para definir questões relacionadas ao mercado de carbono. Ao mesmo tempo, têm compromissos e metas nacionais declarados, que impactam a esfera pública e o setor privado”, explica o advogado especialista em mercado de carbono, Ludovino Lopes.
Para o advogado, o investidor sabe lidar com risco financeiro, mas não gosta de lidar com o risco regulatório. “Sabemos que os projetos levam até 20 anos para serem implantados e é preciso uma estrutura de longo prazo. Por isso, é essencial que o país comece a trabalhar na regulação o quanto antes”, afirma Lopes.
Entre os temas de destaque estão as revisões das NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada, sigla em inglês) em 2025. São as metas estabelecidas por cada país com a avaliação dos objetivos alcançados a cada cinco anos. “Serão necessárias novas metas para a questão do metano e cadeias como a de proteína animal e agronegócio deverão sentir mais o impacto das mudanças”, explica o sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, Rodrigo Sluminsky.
Segundo ele, a construção de uma legislação consistente é fundamental para a competitividade de países que querem estar na dianteira da atração de investimentos. “O Brasil já começou a fazer atualizações nas questões relacionadas às florestas, porque o governo sabe que será cobrado”, pondera Sluminski.
Para a advogada Ana Carolina Rocha, presidente da Rede Amazônidas Pelo Clima, o modelo necessário de desenvolvimento para a Amazônia, comunitário e com baixas emissões, procura corrigir os erros dos anteriores. “Os grandes projetos que foram pensados para a Amazônia por pessoas de fora não deram certo e acabaram por criar bolsões de pobreza”, afirma.
O Projeto de Lei 412/2022, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), seria o primeiro passo para melhor definição das regras do mercado de carbono no país. “É o começo para criarmos as bases e iniciarmos a curva de aprendizagem em um campo complexo e sofisticado, de difícil implementação, mas que precisa ser feito. Para engajar outros atores, o governo brasileiro precisa ter essa governança bem montada”, avalia Caroline Prolo, sócia da Fama Recapital e cofundadora da Laclima, entidade que reúne advogados da América Latina em defesa do clima.
Ao mesmo tempo, pondera o advogado Ludovino Lopes, o Brasil precisa construir as pontes com os mercados internacionais de carbono, de créditos de água e serviços ambientais. “É importante avaliar como outros países estão se posicionando, olhar os exemplos a nossa volta porque vamos nos colocar em um mercado extremamente competitivo e essa é a economia do futuro.”
Para o setor privado, as questões relacionadas ao Global Stocktake – balanço das ações adotadas para mitigar o avanço do aquecimento global – irão definir as regras do jogo para os próximos anos. “É ali que estão as diretrizes do que as empresas precisarão ajustar”, explica Flávia Bellaguarda, presidente da Laclima
Com a proximidade da COP30, prevista para ser realizada em Belém (PA), em 2025, as atenções estão voltadas para o Brasil e abrem oportunidades para governos e empresas acessarem financiamentos. “Os setores estão na ânsia de ‘como é que eu surfo essa onda?’, mas é preciso ter uma estrutura preparada, que a lição de casa seja feita, e muitos ainda estão patinando nesse quesito”, avalia a advogada.
Na esfera pública, ela considera que poucos municípios possuem planos de ação climática estabelecidos, com análise de risco e vulnerabilidade. É o caso de Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador. Bellaguarda explica que o calcanhar de Aquiles é sempre o financiamento, já que a maior parte dos municípios não tem estrutura para desenvolver as ações. “Também existe muita dificuldade em entender como fazer essa conexão entre o que temos na COP e a realidade das cidades”, pondera.
Com o avanço das ações, Sluminsky acredita que possíveis disputas possam surgir, mas afirma ser pouco provável um conflito entre nações. Além disso, a tendência é de que as estruturas e discussões fiquem mais complexas e sofisticadas, o que, segundo Bellaguarda, trará a necessidade de estabelecer um novo foro para mediar a pauta climática. “Conforme o cenário global relacionado ao clima piore – e vai piorar -, seremos pressionados a encontrar outros mecanismos de governança global, além da COP, que tem suas limitações. Ainda não sabemos o que é, mas irá existir”, diz Bellaguarda.
POR JULIANA RIBEIRO
FONTE: VALOR ECONÔMICO – 19/12/2023