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Resta a esperança de que o Congresso Nacional não converta em lei a MP 1185
Passados alguns meses do julgamento do Tema 1.182, no Superior Tribunal de Justiça, o governo federal parece reconhecer, enfim, que o amplo reconhecimento judicial dos benefícios fiscais de ICMS como subvenções para investimento lhe foi desfavorável, na medida em o que o STJ claramente possibilitou a exclusão das receitas de subvenção das bases imponíveis do IRPJ e da CSLL, independentemente da natureza do benefício fiscal de ICMS concedido pelos Estados.
E a demonstração do reconhecimento da derrota veio com a súbita publicação da MP 1185/2023, alterando por completo o tratamento tributário a ser dado, em âmbito federal, aos reflexos fiscais das subvenções para investimento.
O novo texto, de forma abrupta, rompe de plano com o cenário preexistente, para extinguir a possibilidade de exclusão do valor das receitas de subvenção da base do IRPJ e CSLL a partir de janeiro de 2024, criando, no lugar da exclusão, uma figura exótica de “crédito fiscal”, restrito ao IRPJ. Não há previsão de crédito para fins da CSLL.
Como o novo texto promove a revogação do art. 30, da Lei 12.973/14, a presunção legal de equiparação de todos os benefícios de ICMS a subvenções de investimento deixa de existir. Retorna-se, então, à antiga dicotomia entre subvenções para custeio e para investimento, sendo que somente estas serão passíveis de geração dos créditos fiscais. Para que seja caracterizada uma subvenção para investimento, há que se fazer prova de implantação e expansão de empreendimento econômico, o que inviabilizará, a partir de 2024, o enquadramento da maior parte dos benefícios fiscais de ICMS nesse conceito.
O crédito fiscal será passível de ressarcimento ou de compensação com tributos administrados pela Receita Federal, mas somente a partir do ano-calendário seguinte ao reconhecimento das receitas de subvenção, e mesmo assim na proporção da apropriação das despesas de depreciação dos ativos adquiridos de forma subvencionada. Ainda sobre os créditos, para obtê-los a empresa deve previamente se habilitar perante a Receita Federal, além de entregar a ECF na qual esteja evidenciado o valor. Tais medidas nitidamente objetivaram diferir o aproveitamento do crédito para geração imediata de arrecadação em favor da União, em linha com a expectativa de cumprimento das metas que têm sido veiculadas pelo governo federal.
Curiosamente, o art. 8º estabelece que não poderão ser computadas na apuração do crédito fiscal as receitas reconhecidas após 31/12/2028, dando a entender que não haverá, para as receitas de subvenção apropriadas a partir de 2029, o direito de geração dos créditos, fulminando de vez a expectativa de neutralidade tributária para o IRPJ e para a CSLL em relação às subvenções para investimento a partir dessa data.
A Medida Provisória revoga outros dispositivos tributários importantes, a exemplo daqueles que estabeleciam que as receitas de subvenção para investimento não integravam a base de cálculo das contribuições PIS e Cofins, sendo que a MP apenas permite a não tributação dos referidos créditos (quando apropriados) por essas contribuições.
Caso a MP 1185 seja convertida em lei com a atual redação, há uma expectativa de forte judicialização da matéria, em especial quanto à sua constitucionalidade, aproveitando a linha seguida pelo STJ, no sentido de que ofende o Pacto Federativo a tributação, pela União, via IRPJ e CSLL, sobre incentivos de ICMS concedidos pelos Estados. Litígios envolvendo os impactos para PIS e Cofins também deverão ocorrer em profusão.
Adicionalmente, ainda caberá aos contribuintes arguir a mais absoluta falta de relevância e urgência na tramitação legislativa dessa matéria via Medida Provisória, em claro desalinho com o texto do artigo 62, da Constituição Federal de 1988. Ora, se a matéria somente produzirá efeitos a partir de 2024, parece evidente que o mais adequado teria sido buscar o trâmite legislativo ordinário, via Projeto de Lei, para levar a discussão ao Poder Legislativo sem o açodamento da Medida Provisória.
Por fim, porém não menos importante, a perspectiva de modificação da legislação apenas para o ano de 2024 reforça a possibilidade de que os contribuintes venham a defender, para os últimos cinco anos, a possibilidade de exclusão, na apuração do IPRJ e da CSLL, das receitas de subvenção equivalentes aos benefícios de ICMS experimentados, sejam esses benefícios positivos, como é o caso dos créditos presumidos, sejam negativos, como ocorre com as isenções, reduções de base de cálculo, de alíquota etc.
Assim, em que pese haver uma série de questões ainda não definitivamente respondidas pelo julgado do STJ, parece-nos claro, até então, que todos contribuintes agraciados com benefícios fiscais de ICMS, mesmo aqueles em meio de cadeia, podem fazer jus ao registro das receitas de subvenção no exato montante do que lhe foi subvencionado, i.e., na medida da renúncia de receita que o Estado suportou ao beneficiar seus fatos geradores de ICMS, sempre em linha com a ficção jurídica trazida pela Lei Complementar 160/17, que considerou todos os benefícios fiscais de ICMS como subvenções de investimento, e também em harmonia com a condição acertadamente imposta pelo STJ, no sentido de que o valor do incentivo não resulte na distribuição de lucro aos acionistas.
Quanto à MP 1185, aqui tratada apenas em linhas gerais, resta a esperança de que o Congresso Nacional não a converta em lei, reconhecendo a total inconstitucionalidade de seus dispositivos, poupando-nos a todos longos anos de contencioso tributário. Se isso não se confirmar, que ao menos se mantenha a possibilidade de exclusão integral das receitas equivalentes às subvenções para investimento, excluídas as subvenções de custeio, das bases imponíveis do IRPJ e da CSLL, sem a lesiva mecânica de “créditos fiscais” que se buscou instituir em favor da arrecadação, mas em ilegal prejuízo da neutralidade fiscal da União em relação aos benefícios para investimento instituídos especialmente pelos estados da Federação.
*Artigo publicado originalmente no Jota.