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Jeniffer Mayumi Mori e Giovanna Panini Abati Atuação sancionatória da Autoridade Nacional de Proteção de Dados como um meio propulsor na criação de uma cultura de proteção de dados 21 de março de 2023

Como um novo passo na criação de uma cultura de proteção de dados, a Resolução CD/ANPD Nº 4¹,  publicada em 27 de fevereiro de 2023, regulamenta os artigos 52 e 53 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 – Lei Geral de Proteção de Dados e altera a Resolução CD/ANPD nº 1, de 28 de outubro de 2021. Com efeito imediato a partir da publicação, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) poderá aplicar sanções administrativas decorrentes de violações à LGPD, seguindo parâmetros objetivos estipulados pelo Regulamento, bem como metodologia definida para dosimetria do valor-base das multas pecuniárias.

Muito embora inúmeras discussões sobre o tema de proteção de dados pessoais e aplicação de multas tenham ocorrido no âmbito judicial, haja vista que cerca de 100 processos que circundam a matéria foram tornados públicos mediante divulgação do portal da transparência da ANPD², ocorre que na esfera administrativa apenas agora a ANPD, na qualidade de órgão responsável pela fiscalização e aplicação de sanções relativas à proteção de dados pessoais, está apta a tomar frente nas discussões relativas a infrações.

Para tanto, o Regulamento definiu que a aplicação das sanções pela ANPD, além de ser gradativa, deve pautar-se na peculiaridade do caso concreto e individualidade do infrator, de modo a respeitar a proporcionalidade da gravidade da conduta do agente e da sanção a ser aplicada, observando os parâmetros e critérios dispostos em seu artigo 7º, como: grau do dano, vantagem auferida ou pretendida pelo infrator, condição econômica do infrator, reincidência (se específica ou genérica), cooperação do infrator, assim como a adoção reiterada e demonstrada de mecanismos e procedimentos internos capazes de minimizar a ocorrência ou a extensão do dano – em outras palavras um programa de governança em proteção de dados.

Com o fim de assegurar a proporcionalidade na aplicação das sanções, que ocorrerá de forma gradativa, isolada ou cumulativa, o Regulamento estabelece, em seu artigo 8º, uma classificação segundo a gravidade e a natureza das infrações e dos direitos pessoais afetados, entre leve, média ou grave, sendo que a definição quanto à classificação da infração decorrerá diretamente da consequência gerada aos titulares dos dados, o que dependerá de uma análise casuística e subjetiva da ANPD. Seu posicionamento acerca desta análise subjetiva somente ficará claro após o início da aplicação do Regulamento.

A classificação das infrações afeta diretamente a definição quanto às sanções que poderão ser aplicadas ao infrator (artigo 3º do Regulamento), devendo ser observada uma ordem progressiva. Assim, exemplificativamente, aquelas mais gravosas – suspensão parcial do funcionamento do banco de dados, suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais e proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados – somente poderão ser aplicadas quando já tiver sido imposta sanção mais branda prevista na Resolução.

O Regulamento estabelece, ainda, a observância das garantias de direito processual, ao estipular que as sanções somente serão aplicadas após devido procedimento administrativo, mediante decisão fundamentada da ANPD, assegurado o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal.

Com base no nítido fator inspiracional da LGPD em relação à legislação europeia de proteção de dados pessoais (General Data Protection Regulation – GDPR) e a atuação do seu órgão responsável pela fiscalização e aplicação de sanções, que já aplicou mais de 293 milhões de euros em sanções, distribuídos em mais de 700 condenações desde sua a entrada em vigor (2018), a tendência é que, no Brasil, sejam seguidos os mesmos passos no que tange à aplicação de sanções.

Neste ponto, é preciso relembrar o cenário encontrado na Europa após a entrada em vigor da GDPR, que se apresentou com baixa aplicação de sanções nos primeiros meses, visto que as autoridades locais priorizaram inicialmente a orientação e depois a aplicação de sanções, que depois de iniciada consistiu, em sua maioria, em altas multas pecuniárias e relevante prejuízo aos infratores.

Assim, considerando que a entrada em vigor da LGPD ocorreu em setembro de 2020 e que desde então a ANPD tem se empenhado na publicação de orientações sobre a LGPD, é possível que essa a fase de pura conscientização esteja próxima do fim e que o cenário que encontraremos após a publicação da resolução seja de imediata dedicação da ANPD à fiscalização e aplicação de sanções. As penalizações poderão ser inicialmente mais brandas, considerando a recente manifestação do órgão no sentido de que prezará pelo viés orientativo e educativo, assim como pela proporcionalidade.

Com a publicação do Regulamento de Dosimetria das Sanções Administrativas ficou ainda mais clara a importância das empresas e organizações investirem na criação de uma cultura de proteção de dados e em programas de governança em privacidade.

Há que ser levado em conta que, ao fim, será menos custoso e danoso para a empresa/organização investir em treinamentos e programas efetivos, que além de evitarem a ocorrência da infração podem implicar em até 75% de redução na multa, do que vir a ter que arcar com as possíveis sanções a serem aplicadas pela ANPD, em especial considerando a cobrança já existente no mercado para comprovação de conformidade com a LGPD como condição para que sejam firmadas novas parcerias e negócios.

 

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¹ Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-publica-regulamento-de-dosimetria/Resolucaon4CDANPD24.02.2023.pdf – Acesso em 13/03/2023

² Disponível em: https://anppd.org/violacoes – Acesso em 13/02/2023