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Marcelo Carvalho Pereira. Aumento do IOF-Câmbio nas remessas de afretamento: impactos e estratégias para o setor de O&G 24 de junho de 2025

Medida do governo federal eleva custos e gera incertezas jurídicas, levando empresas a avaliarem alternativas como reestruturação financeira e judicialização, avalia Marcelo Carvalho Pereira.

Recentemente, foram editados dois Decretos Federais promovendo substanciais alterações nas alíquotas e regras aplicáveis ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), com destaque para o aumento da alíquota incidente sobre operações de câmbio não especificadas.

A cobrança passou de 0,38% para expressivos 3,5% nas operações de câmbio realizadas para transferência de recursos ao exterior, não isentas e não abarcadas por regra específica.

Trata-se de um aumento de quase dez vezes a alíquota anteriormente vigente, com efeitos práticos imediatos sobre indústria de óleo e gás, sobretudo sobre os valores remetidos ao exterior a título de afretamento, que se inserem justamente na referida alteração.

Os contratos que viabilizam o afretamento desses ativos estrangeiros na indústria de O&G costumam acompanhar as regras do regime aduaneiro próprio da indústria, que é o Repetro-Sped. Nesse contexto, preponderantemente, temos duas formatações aplicáveis, comumente conhecidas como os “contratos tripartites”, e o “afretamento direto”.

Em estruturas contratuais tripartites, comumente utilizadas em operações envolvendo as embarcações de maior custo e complexidade, a responsabilidade pela remessa dos valores ao exterior (e, por conseguinte, pelo recolhimento do IOF) será da operadora contratante.

Nesses casos, em que o ônus financeiro impacta diretamente a contratante, não se descarta a possibilidade de que as taxas de afretamento sejam futuramente afetadas para menor, ante o surgimento de uma tributação extraordinária imprevista, onerando sensivelmente a atividade.

Por outro lado, nas estruturas contratuais mais usuais, com afretamento diretamente celebrado entre a Empresa Brasileira de Navegação (EBN) e a entidade estrangeira proprietária da embarcação, a remessa internacional é feita pela própria EBN, que arcará integralmente com o aumento do IOF, numa operação intragrupo.

Para esses casos, o reequilíbrio econômico-financeiro será debatido no outro contrato, celebrado entre a EBN e a operadora contratante, cabendo reflexões sobre a possibilidade de repasse da nova carga tributária nas taxas praticadas.

Como vem sendo amplamente noticiado, a majoração do IOF tem sido alvo de críticas intensas nos meios político e empresarial, e sua revisão não está totalmente descartada, muito embora o governo tenha, último dia 11 de junho, optado por não recuar totalmente na majoração do IOF, mantendo, por exemplo, a alíquota de 3,5% sobre o câmbio nas remessas ao exterior.

Nesse cenário de incertezas, é fato que alguns contribuintes têm adiado as remessas internacionais até que haja maior segurança quanto à permanência ou não da alíquota majorada.

Caso a majoração seja mantida, será possível que os contribuintes afetados busquem questionar judicialmente o aumento da alíquota, com base na inobservância, pelo governo, da natureza jurídica do IOF de “tributo extrafiscal”.

Em bom português, um tributo extrafiscal é aquele vocacionado à regulação econômica, não se admitindo a sua utilização com uma finalidade preponderantemente arrecadatória, como o governo deliberadamente admite estar fazendo como o IOF.

Essa mesma discussão, por exemplo, foi recente travada para questionar a incidência do Imposto de Exportação — outro imposto extrafiscal — sobre a exportação de óleo bruto, no ano de 2023. O embate, vale destacar, ainda está em curso nos tribunais, e o seu desfecho poderá ajudar a nortear os casos envolvendo o IOF.

Seja como for, hoje é difícil traçar um prognóstico firme de sucesso para o questionamento judicial, ainda que o embasamento jurídico nos pareça robusto em defesa do reconhecimento da ilegalidade da majoração com fim arrecadatório.

Diante da incerteza que a medida judicial parece trazer ao caso, uma alternativa mais pragmática que pode ser estudada, especialmente quando se tratar de remessas realizadas intragrupo, é a reestruturação dos fluxos financeiros existentes.

Naturalmente, esses ajustes precisam observar à risca o fundamento econômico envolvido, mas não são poucos os casos em que parte do fluxo monetário hoje existente entre as partes pode ser objeto de legítima pactuação diversa, sem qualquer ofensa à legalidade

Além disso, tais ajustes podem ocorrer sem desdobramentos para a aplicação das regras de Preços de Transferência, ou, para os maiores grupos, de imposição de ajustes na CSLL para observância das regras do Pilar 2, recentemente internadas da OCDE para o nosso Ordenamento.

Por fim, ainda pode ser estudada a possibilidade de que a entidade nacional mantenha uma maior parcela do resultado financeiro da operação no Brasil, decorrente da redução da remessa de afretamento, com a subsequente distribuição de dividendos ao controlador estrangeiro.

Os dividendos, como se sabe, estão isentos do IOF-Câmbio e, além disso, continuam não sujeitos à incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), ainda que o resultado seja tributado normalmente na entidade nacional.

Em suma, pensamos que o exercício de revisão dos fluxos financeiros entre as entidades de um mesmo grupo é válido, objetivando, ainda que apenas sobre certa parcela, reduzir as remessas a título de afretamento, com a subsequente redução de imposição da nova (e alta) alíquota do IOF.

Artigo publicado originalmente no Eixos.