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Os juros sobre capital próprio (JCP) foram instituídos no Brasil pelo artigo 9º da Lei nº 9.249/95 e são tidos como um instrumento híbrido, porque se trata de uma forma de remuneração do acionista que gera uma dedução fiscal.
Para fins fiscais, os JCP possuem natureza de despesa financeira, possibilitando, assim, uma dedução nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL (atualmente pela alíquota global de 34%). Por outro lado, os JCP são rendimentos tributáveis para os beneficiários, ocorrendo, em regra, retenção de 15% do valor na fonte.
Por conta de sua natureza híbrida, os JCP foram tratados, por muitos anos, como um instituto tipicamente brasileiro e sem referência similar no sistema tributário internacional.
Devido a essa contumaz crítica, o Projeto de Lei nº 2.337/2021, recém-aprovado na Câmara dos Deputados, e ainda pendente de aprovação no Senado, revogou integralmente esse instituto. Assim, não é mais possível que a pessoa jurídica que remunere com juros seus sócios aproveite a dedutibilidade dessa despesa financeira e, tampouco, distribua esses valores retendo apenas 15% de Imposto de Renda na fonte.
Ocorre que o artigo 397 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/2018) dispõe que os juros pagos ou incorridos pelo contribuinte são dedutíveis como custo ou despesa operacional. Dessa forma, considerando que os juros são despesas dedutíveis, verifica-se que a reforma tributária não mais reconhecerá o pagamento de juros para sócios, mas, sim, classificará todo o pagamento de dividendo.
No entanto, importante observar que há uma evidente diferença entre o instituto do dividendo e o dos JCP, uma vez que o primeiro é obtido por meio do lucro líquido da empresa, sendo assim, uma fatia do lucro paga ao acionista, ao passo que os JCP, por sua vez, são uma remuneração ao acionista pelo capital financeiro disponibilizado.
Assim, cria-se uma diferenciação entre o contribuinte que busca financiamento em banco e o contribuinte que busca financiamento com investidores. Ocorre que, nessa nova sistemática, o financiamento efetuado pelo banco irá gerar uma despesa financeira dedutível na apuração do IRPJ e da CSLL, ao passo que o financiamento efetuado por demais investidores não será dedutível, gerando uma distorção no princípio da isonomia e, consequentemente, desestimulando investidores em um período tão crítico para a economia devastada pela pandemia da Covid-19.
Frise-se que, de fato, os países costumam privilegiar o financiamento por dívida e não o financiamento por capital, gerando um debt-bias, que aumenta a alavancagem da empresa e gera um impacto negativo na economia. Para corrigir essa distorção, diversos países [1], principalmente da Europa, começaram a adotar a Allowance for Corporate Equity (ACE).
Assim, a ACE, de forma semelhante aos JCP, permite a dedução de um retorno nocional (fictício) do capital investido, o qual fica atrelado a uma taxa de juros livre de riscos, como a taxa dos títulos da dívida pública, estimulando as empresas a buscarem financiamentos diretamente com seus sócios, ao invés de se endividarem com empréstimos bancários.
Ademais, entre os países que já utilizam esse sistema destaca-se a Itália, que, recentemente, editou o Decreto nº 73, de 25/05/2021 [2], chamado de Sostegni-bis decree. Referido decreto trouxe diversas medidas que buscam mitigar os danos econômicos causados pela pandemia da Covid-19. Um dos principais pontos do decreto foi a majoração da alíquota da ACE de 1,3% para 15%.
Nesse sentido, importante destacar que, em junho deste ano, a Comissão Europeia publicou uma iniciativa [3] com o intuito de equalizar o financiamento por dívida e por capital, propondo assim: 1) o fim da dedutibilidade das despesas financeiras; ou 2) a criação de uma ACE.
Destaca-se, inclusive, que, de acordo com um estudo preliminar realizado na União Europeia [4], a criação da ACE era a opção preferida.
Desse modo, podemos observar que não só existem institutos similares aos JCP em outros países, como existem países majorando o benefício com o intuito de estimular sua economia.
Portanto, verifica-se que o Brasil opta por seguir um caminho diferente de outros países, extinguindo um instituto que está sendo utilizado por outras economias para estimular a saída da crise gerada pela pandemia da Covid-19.
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[1] Tais como, Chipre, Itália, Malta, Polonia, Portugal e Turquia.
[2] https://www.gazzettaufficiale.it/eli/id/2021/05/25/21G00084/sg.
*Artigo postado originalmente no ConJur.