Mídia

Leonardo Lucci Cálculo da Cide-Royalties e a inclusão do IRRF 28 de agosto de 2024

Até que a questão seja definida de forma vinculante e obrigatória pelos tribunais superiores, o tema permanece totalmente passível de questionamento pelos contribuintes

A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-Royalties) foi instituída pela Lei nº 10.168/2000 com o propósito de financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. Desde a sua criação, surgiram diversas questões relativas à sua aplicação, especialmente no que concerne à possibilidade de incidência dessa contribuição sobre o valor pago ao fornecedor no exterior, acrescido ou não do IRRF sobre a remessa. Tal situação gera insegurança jurídica às empresas tomadoras de serviços no Brasil, expondo-as a riscos adicionais e aumentando sua carga tributária.

A legislação estabelece que a Cide incide sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos ao exterior a título de remuneração, aplicando-se uma alíquota de 10%. A base de cálculo dessa contribuição é, portanto, o valor remetido ao prestador de serviços como remuneração, conforme disposto no artigo 2º, parágrafo 3º da Lei nº 10.168/2000.

A questão central é se a base de cálculo aqui analisada deve incluir ou não o IRRF incidente sobre a remessa quando realizado o gross up, ou seja, quando a fonte pagadora assume o ônus financeiro do imposto retido.

O termo “remuneração” é crucial para essa definição, pois se refere ao pagamento feito ao prestador de serviços no exterior. A análise da legislação aplicável revela que ela não prevê a incidência da Cide-Royalties também sobre o gross up para fins de IRRF, mas apenas sobre a remuneração contratual paga ao prestador de serviços no exterior.

Importante ressaltar que a incidência tributária é um fenômeno jurídico, e a base de cálculo de um tributo deve ser definida pela lei. O artigo 150, I da CF/88 e o artigo 97, IV, do CTN estabelecem o princípio da legalidade tributária, segundo o qual a base de cálculo de um tributo só pode ser determinada por lei. Logo, conclui-se que a inclusão do IRRF na base de cálculo dessa contribuição não encontra respaldo legal.

Além disso, a legislação não prevê a precedência de um tributo sobre o outro, nem que um deva incidir sobre o outro. Portanto, não cabe ao intérprete utilizar considerações econômicas para concluir que o valor do IRRF deve ser adicionado à base de cálculo dessa contribuição, majorando-a. Como dito, a base de cálculo aqui analisada deve incidir apenas sobre a remuneração contratual paga ao prestador de serviços no exterior.

E o IRRF, seja assumido ou não pelo contribuinte, não se enquadra no conceito de remuneração decorrente das remessas ao exterior. Trata-se de um valor destinado aos cofres públicos do Brasil e não uma contraprestação paga ao prestador de serviços no exterior. Ademais, embora o artigo 786 do Decreto nº 9.580/2018 preveja a inclusão dos valores retidos na base de cálculo do IRRF, não há tal previsão para a Cide-Royalties e, portanto, não há que equiparar ambas as bases de cálculo.

Não obstante, a Receita Federal do Brasil (RFB) tem se manifestado no sentido de que a base de cálculo da contribuição aqui analisada, em relação aos royalties, deve ser equivalente a base utilizada para o IRRF, inclusive quando há o gross up na base de cálculo desse imposto. A interpretação da RFB é que, quando há reajustamento da base do IRRF, o contribuinte deve realizar o mesmo reajustamento na base de cálculo das contribuições. Contudo, como dito, essa interpretação não encontra respaldo legal.

O tema também foi debatido nos tribunais administrativos. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) possuía, até 2019, precedentes que indicavam a ausência de previsão legal para autorizar a adição do IRRF à base de cálculo da Cide (acórdãos 3402-004.391, 3401-006.620, 3401-003.801). Contudo, o tema chegou à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Carf, a qual começou a decidir desfavoravelmente aos contribuintes.

A divergência prosseguiu até que o tema acabou sendo chancelado por meio da Súmula 158, que determina que o IRRF compõe a base de cálculo das contribuições, ainda que a fonte pagadora assuma o ônus financeiro do imposto retido.

No âmbito do Poder Judiciário, os Tribunais Regionais Federais têm proferido decisões desfavoráveis aos contribuintes, incluindo o IRRF na base de cálculo da Cide-Royalties. Essas decisões argumentam que o valor do IRRF está inserido na obrigação contratual e deve ser considerado na base de cálculo das contribuições. No entanto, essa interpretação não diferencia claramente os distintos sujeitos passivos e as diferentes naturezas das obrigações tributárias. Vale ressaltar que não há orientação jurisprudencial vinculante e obrigatória dos tribunais superiores acerca do tema aqui analisado.

Diante desse cenário, a inclusão do IRRF na base de cálculo da Cide-Royalties carece de previsão legal específica, violando o princípio da legalidade tributária, já que a legislação vigente determina especificamente qual é a sua base de cálculo, sem incluir o IRRF. Portanto, a interpretação administrativa e jurisprudencial que inclui o IRRF na base de cálculo dessa contribuição é questionável e não encontra respaldo sólido na legislação.

Assim sendo, a Cide-Royalties deve incidir apenas sobre os valores pagos ao prestador de serviços no exterior, conforme estipulado na legislação específica. A inclusão do IRRF na base de cálculo dessa contribuição é indevida e não deve ser aplicada. E até que a questão seja definida de forma vinculante e obrigatória pelos tribunais superiores, o tema permanece totalmente passível de questionamento pelos contribuintes.

*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.