Mídia

Ludmila A. Knop Hauer Como o Poder Judiciário está interpretando a LGPD? 20 de julho de 2023

Passados praticamente 2 anos de vigência da LGPD¹ é interessante analisar quais questões relacionadas a essa Lei estão sendo levadas ao Poder Judiciário brasileiro, como está sendo feita sua interpretação e respectivas consequências.

Em caso recente (março/2023) julgado pelo STJ² foi afastado o pedido de indenização por danos morais pautado no simples vazamento de dados pessoais. Essa Corte reconheceu que o vazamento de dados é uma falha, mas a sua simples ocorrência, sem a demonstração efetiva de dano moral suportado pelo titular dos dados, não gera direito indenizatório. Dentre os Tribunais Estaduais que já analisaram pedidos de ressarcimento por danos morais vinculados ao vazamento de dados, maior parte está alinhado com esse entendimento do STJ.

Ainda sobre vazamento de dados constata-se que os julgadores estão atentos e valorizando todas as práticas dos controladores de dados para tentar garantir sua segurança, o que está alinhado com alguns preceitos trazidos pela própria LGPD no sentido de atenuar sanções quando há demonstração de que foram adotadas as medidas possíveis para atender os requisitos de segurança.

Outra situação que gerou indenização por danos morais na esfera cível: o Autor da ação recebeu ligações de telemarketing após encerramento da relação contratual entre as Partes. Essa conduta foi caracterizada como ilícita e abusiva porque a empresa Ré descumpriu o pedido de retirada dos dados pessoais do seu cadastro.

Redes sociais têm sido responsabilizadas (danos morais) por acesso de terceiros a perfil, especialmente pela dificuldade de o dono desse perfil reaver sua conta e pela falta de segurança que deveria ter sido ofertada pelo provedor da rede.

Aplicativos de mensagem também são alvo de responsabilização (danos materiais) em situações nas quais o usuário foi vítima de estelionato praticado nesse ambiente e que o fraudador utilizou dados pessoais da filha da vítima (foto e filiação) para obter vantagem financeira.

A Justiça do Trabalho (JT) também tem enfrentado o tema LGPD com frequência. Dentre as decisões que foram localizadas e analisadas 35 % decorrem de ações ajuizadas na JT e os litígios/decisões foram os seguintes:

❯  Manutenção de demissão por justa causa ao empregado que (ii) transferiu dados sensíveis de paciente do hospital empregador para constituir prova em ação trabalhista; (ii) copiou dados pessoais e bancários de clientes e repassou para si e para terceiros; (iii) utilizava dados pessoais de clientes para vender remédios com desconto para outros clientes; (iv) repassou dados sigilosos da empresa ao seu e-mail pessoal.

❯  Determinação de entrega de todos os documentos relativos à relação empregatícia ao ex-empregado, por se tratar de dados pessoais que lhe pertencem.

❯  Indeferimento de pedido feito pelo Sindicato quanto ao apontamento de empregados diagnosticados com Covid, por se tratar de dado sensível, que depende de consentimento do titular.

❯  Pedidos de indenização por danos morais reconhecidos pelas seguintes razões: (i) manutenção de publicidade de telefone de ex-empregado, que continuou recebendo ligações de clientes após término do vínculo trabalhista; (ii) vazamento de dados de atestado médico de empregado via aplicativo de mensagem; (iii) uso indevido de dados dos empregados por empresa que determinou que estes inserissem CPF próprio quando o cliente se negava a prestar tal informação.

❯  Decisões no sentido de determinar que a empresa de telefone forneça dados quando esse pedido decorre de ordem judicial, não podendo essa empresa negar o envio desses dados com fundamento na LGPD, porque o Judiciário não está vinculado a essa lei.

A respeito da cláusula normativa que obriga o empregador a entregar ao Sindicato dados dos seus empregados, não há consenso perante os Tribunais Regionais do Trabalho, havendo decisões no sentido de autorizar o compartilhamento de dados pautado nessa previsão contratual e outras condicionando essa prática ao consentimento do titular dos dados (empregado), não sendo suficiente nesse caso o ajuste entre a empresa e o Sindicato.

Esse é o panorama geral diagnosticado até o presente momento quanto aos temas que geraram discussões judiciais sobre LGPD e como esses litígios foram decididos pelo Poder Judiciário Brasileiro. Cabe destacar que: (i) não foram localizadas decisões judiciais que versam sobre o questionamento de aplicação de sanções administrativas pela ANPD, talvez porque a punição por esse órgão, apesar da firme fiscalização, é recente, razão pela qual as reclamações não tenham ainda sido levadas ao judiciário ou, se foram, ainda não foram julgadas; (ii) muitas decisões analisadas ainda não são definitivas e podem ser reformadas nas instâncias superiores; e (iii) o volume de casos identificados ainda não é significativo (93 no total), se considerada a dimensão do Brasil e a quantidade de ações que são anualmente ajuizadas³.

 

___

O posicionamento do judiciário quanto às normas da LGPD merece um monitoramento constante porque ainda há uma série de possíveis discussões pautadas nessa legislação que não foram apreciadas e, com relação aos pontos já apreciados, ainda são em número inexpressivos e certamente ainda haverá decisões divergentes e inéditas.

¹ A Lei Geral de Proteção de Dados brasileira – Lei 13.709 – foi publicada em agosto de 2018, sendo que mas sua vigência ocorreu de forma escalonada: (i) Dezembro/2018 para os artigos que tratam sobre a criação e atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade; (ii) Maio/2021 para os artigos gerais (disposições preliminares, tratamento dos dados pessoais, direitos do titular, responsabilidade, entre outros); e (iii) Agosto/2021 para os artigos que tratam sobre as sanções administrativas.

² https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipo
PesquisaGenerica&termo=AREsp%202130619

³ “Total de casos novos em 12 meses: 27,7 milhões – crescimento de 10,4% em relação a 2020. Considerando apenas as ações ajuizadas pela primeira vez em 2021, o total é de 19,1 milhões.” Sumário Executivo Justiça em Números 2022 / Publicado pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/sumario-executivo-jn-v3-2022-2022-09-15.pdf