Mídia

Tayla Born Alves Compensação em embargos à execução fiscal: como ficam os processos em andamento? 23 de fevereiro de 2022

Guinada inesperada na jurisprudência do STJ, impossibilidade de alegação da validade da compensação anterior em embargos e vários processos em curso discutindo compensações. Algo que precisa ser resolvido.

No ano de 2009, a 1ª Seção do STJ, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo 1.008.343, apreciando a previsão contida no art. 16, § 3º, da LEF, firmou o entendimento de que a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento da execução fiscal, pode figurar como matéria de defesa em embargos.

No caso concreto, o contribuinte opôs embargos pretendendo o reconhecimento da inexigibilidade do débito executado em decorrência de compensação administrativa efetuada anteriormente ao ajuizamento da execução fiscal. O Tribunal de origem, todavia, não acolheu a alegação por entender incidir o suposto óbice previsto no art. 16, § 3º, da LEF.

Acertadamente, o STJ reconheceu o direito do contribuinte de alegar compensação pretérita em embargos à execução fiscal, reformando o entendimento do Tribunal a quo e fazendo a adequada interpretação do disposto no art. 16, § 3º, da LEF. No acórdão, o STJ consignou que:

“A alegação da extinção da execução fiscal ou da necessidade de dedução de valores pela compensação total ou parcial, respectivamente, impõe que esta já tenha sido efetuada à época do ajuizamento do executivo fiscal, atingindo a liquidez e a certeza do título executivo, o que se dessume da interpretação conjunta dos artigos 170, do CTN, e 16, § 3º, da LEF, sendo certo que, ainda que se trate de execução fundada em título judicial, os embargos do devedor podem versar sobre causa extintiva da obrigação (artigo 714, VI, do CPC).”

Assim, a única interpretação possível para o acórdão proferido pelo STJ deveria ser a de que quaisquer compensações pretéritas – sejam elas não analisadas, deferidas ou indeferidas – podem ser alegadas como matéria de defesa em embargos à execução fiscal.

Isso porque, além do próprio contexto fático dos autos, já acima mencionado, o que o art. 16, § 3º, da LEF impede é a tentativa de compensação em embargos e não a alegação de compensação administrativa em embargos. Veja-se:

“Art. 16 – O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados:

(…)

§ 3º – Não será admitida reconvenção, nem compensação, e as exceções, salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos, serão argüidas como matéria preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos”.

Ou seja: não pode o contribuinte pretender compensar o débito executado apresentando um crédito que possui com a Fazenda Pública nos embargos à execução fiscal. Essa é a proibição do art. 16, § 3º, da LEF.

Isso não é o mesmo que o contribuinte defender a validade de uma compensação pretérita que implica na inexigibilidade do débito executado.

O art. 16, § 3º, da LEF é de clareza semântica cristalina. O legislador não usou a palavra “alegação”. O impedimento é apenas de compensação.

O próprio momento histórico da lei de Execuções Fiscais conduz a tais conclusões. À época da edição da referida lei, não havia previsão legal que autorizasse a compensação administrativa. Logo, só poderia o legislador estar pretendendo evitar a tentativa de compensação em embargos; e não a alegação de compensação administrativa em embargos, pois sequer havia previsão legal para realização destas compensações.

Veja-se que juntamente com a compensação o legislador impediu também a reconvenção. A intenção sempre foi evitar um “contra-ataque” do executado, seja por meio da reconvenção em face do Fisco, seja pela pretensão de compensação do débito nos próprios embargos à execução fiscal.

Mesmo com toda a clareza dos elementos delineados acima, não é esta, infelizmente, a interpretação que está prevalecendo no STJ, após anos de acórdãos e decisões monocráticas desencontradas sobre o tema.

Após o julgamento do Recurso Repetitivo, a 2ª Turma do STJ começou a proferir acórdãos restringindo o alcance do julgamento ocorrido em 2009, afastando a sua aplicação para compensações pretéritas indeferidas (Ex. REsp 1.252.333 e 1.305.881). Embora não tenha sido este o entendimento do acórdão do Recurso Repetitivo, alguns Ministros passaram a defender que a 1ª Seção teria decidido que apenas as compensações reconhecidas pelo Fisco é que poderiam ser arguidas como matéria de defesa em sede de embargos.

Por outro lado, os Ministros da 1ª Turma até muito recentemente reconheciam, acertadamente, a possibilidade de alegação de compensação pretérita indeferida em embargos à execução fiscal, também com base no julgamento do recurso repetitivo.

E essa divergência de interpretações não se restringiu ao STJ. Em 2020, por exemplo, a Segunda Seção Especializada do Tribunal Regional da 2ª Região, no julgamento da Apelação 0102434-10.2014.4.02.5101, pacificou o entendimento pela impossibilidade de alegação de compensação indeferida em embargos.

O Tribunal Regional da 4ª Região, por outro lado, possui acórdãos do ano de 2021 que consignam que “no âmbito dos embargos à execução, é possível a discussão acerca da regularidade de compensação anteriormente pleiteada e indeferida na via administrativa” (Apelações 5008981-03.2014.4.04.7110 e 5001581-25.2019.4.04.9999).

Recentemente, a 1ª Seção do STJ, ao julgar o EREsp 1.795.347, decidiu que:

Ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça entendem que não pode ser deduzida em embargos à execução fiscal, à luz do art. 16, § 3º, da lei 6.830/80, a compensação indeferida na esfera administrativa, não havendo mais que se falar em divergência atual a ser solucionada. (EREsp 1795347/RJ, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 25/11/2021)

Muito tem se falado sobre a improcedência do entendimento que está sendo firmado pelas Turmas do STJ sobre o tema; a começar pelo próprio equívoco na interpretação do art. 16, § 3º, da LEF, que, vale repisar, impede a compensação em embargos e não a alegação de compensação pretérita em embargos.

E não é só isso. Se a forma de defesa do executado é por meio dos embargos, e se estes possuem natureza de ação de conhecimento, não há razões para restringir as alegações apenas para compensações deferidas. Isso porque, sequer faz sentido se falar em defesa em embargos quando há compensação deferida, pois, nesta hipótese, o débito já foi quitado na esfera administrativa e não será executado pelo Fisco.

A verdade é que o contribuinte agora se vê em uma “sinuca de bico”: segundo o STJ, seu entendimento atual não implica “afastar da análise do Poder Judiciário o ato administrativo de compensação indeferida” (AgRg no AgRg no REsp. 1.487.447/RS)”, pois o contribuinte teria meio judicial próprio para discussão.

O meio judicial próprio seria a ação anulatória do art. 169 do CTN, que, por si só, não impede o ajuizamento da execução fiscal.

Fica o contribuinte, então, obrigado a (i) depositar judicialmente os valores para não ser executado, pois não pode levar a discussão da compensação indeferida em embargos; ou a (ii) tentar fazer “malabarismo” apresentando garantia na ação de conhecimento ou na execução fiscal e convencendo o Juiz a acolher o pedido de suspensão da ação executiva até o julgamento da ação anulatória, a fim de evitar o prosseguimento dos atos expropriatórios.

Como se vê, é grave o desacerto do STJ no entendimento fixado no EREsp 1.795.347 e não há dúvidas de que ele deve ser revisto.

Todavia, até que isso aconteça – o que, infelizmente, é o cenário atual – ainda resta a seguinte (e relevantíssima!) pergunta: como ficam os contribuintes que possuem embargos à execução fiscal em andamento?

Como ficam os contribuintes que acreditaram que a definição do STJ em 2009 abrangia compensações não homologadas e opuseram embargos? Como ficam os contribuintes que não lançaram mão de ações anulatórias dentro do prazo prescricional de 2 anos porque acreditaram que poderiam discutir a questão por meio de embargos?

Se o próprio Judiciário demonstrou (e demonstra) absoluta instabilidade e incerteza sobre o tema, não há como se pretender que os contribuintes previssem que no ano de 2021, mais de dez anos após o julgamento do repetitivo, o STJ firmaria entendimento restringindo a sua aplicação, modificando por completo o entendimento anterior, como se o estivesse simplesmente interpretando.

Há um número incontável de embargos à execução em curso pelo país que discutem compensações indeferidas. Processo avançados, com perícias finalizadas sobre questões contábeis bastante complexas, sentenças e acórdãos extremamente analíticos. Como ficam esses processos?

Diante dessa absoluta insegurança jurídica, é de se esperar que o STJ, ao menos, garanta o direito processual dos contribuintes que discutem as compensações indeferidas em seus embargos à execução em curso.

Há na legislação brasileira mecanismos para isso. O STJ pode modular os efeitos de suas decisões, nos termos do art. 927, § 3º, do CPC.

Também é possível invocar o art. 23 da LINDB, o qual prevê que a decisão judicial que fixar interpretação nova sobre norma de conteúdo indeterminado deverá estabelecer um regime de transição.

Caso o STJ não module os efeitos, ainda restará a esperança no STF, que poderá restabelecer a segurança jurídica para os processos em curso, a exemplo do que ocorreu em situação similar anterior, cuja atitude adotada pelo STF – modulação de decisão proferida pelo STJ – pode ser perfeitamente adotada no caso em análise1.

Fazer com que os contribuintes percam discussões judiciais avançadas – muitas delas com reconhecimento, por meio de prova pericial, da validade da compensação feita administrativamente – ofende frontalmente o princípio da segurança jurídica.

Assim, caso mantida a interpretação atual do STJ sobre o tema, é de se esperar, ao menos, que os contribuintes que confiaram no entendimento firmado em 2009 tenham seus direitos preservados pelos Tribunais Superiores.

__________
1 Vide ARE 951533 AgR-segundo, Rel. p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJ de 25/10/2018.

 

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.