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Heitor Cesar Ribeiro & Leonardo Lucci. Dedutibilidade de créditos inadimplidos 21 de março de 2025

A inadimplência crescente, agravada por crises recentes e pelos efeitos da Covid-19, a partir de 2020, tem levado muitas empresas a reconhecerem perdas com créditos de difícil recuperação. Nesse contexto, surgem dúvidas sobre a dedutibilidade, para fins de IRPJ e CSLL, dos créditos inadimplidos há mais de cinco anos.

Dentre as inadimplências, destacam-se:

  1. as perdas presumidas, previstas no artigo 9º da Lei nº 9.430/1996, cuja dedutibilidade exige prazos mínimos de inadimplência e a adoção de medidas de cobrança (administrativa ou judicial);
  2. perdas efetivas, quando há sentença judicial de insolvência, recuperação judicial ou falência; e
  3. perdas definitivas, que se configuram quando não há mais possibilidade de recuperação do crédito (ex.: após cinco anos do vencimento; cessão definitiva do crédito para terceiros; ou concessão de descontos irreversíveis em renegociações).

A Lei nº 9.430/1996 prevê que, ultrapassado o prazo de cinco anos do vencimento do crédito sem seu pagamento, o contribuinte pode deduzir este crédito como perda definitiva, dispensando-se a comprovação de esforços de cobrança. Assim, o texto legal não exige a adoção de procedimentos judiciais ou administrativos para caracterizar a perda definitiva.

Contudo, por meio do Ato Declaratório Interpretativo nº 2/2018, a Receita Federal passou a exigir, mesmo para créditos vencidos há mais de cinco anos, o cumprimento dos requisitos da Lei nº 9.430/1996. Essa interpretação, mais restritiva, causa insegurança jurídica, pois a literalidade da Lei nº 9.430/1996 não condiciona as perdas definitivas a quaisquer medidas prévias de cobrança.

 

Divergências no Carf

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) apresenta decisões divergentes sobre o tema. Alguns acórdãos entendem que a Lei nº 9.430/1996 dispensa os requisitos do artigo 9º no caso de perdas definitivas. Porém, outras decisões se alinham ao posicionamento do Fisco e exigem a adoção dos procedimentos previstos na lei.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) ainda não possui posicionamento consolidado sobre a dedutibilidade, para fins de IRPJ e CSLL, de créditos inadimplidos há mais de cinco anos, devido à ausência de decisões específicas sobre o tema, mantendo a questão em aberto.

Diante desse cenário marcado por entendimentos divergentes, ainda que existam precedentes favoráveis aos contribuintes tanto no Carf quanto na literalidade da Lei nº 9.430/1996, permanece o risco de questionamentos pelo Fisco, o que pode levar a disputas administrativas ou judiciais. Para reduzir os riscos de autuação, recomenda-se:

  1. a guarda de documentação para comprovar a impossibilidade de recuperação do crédito, por meio de registros contábeis, tentativas de cobrança, protestos ou notificações;
  2. análise individualizada de cada caso, possibilitando-se avaliar se é mais vantajoso deduzir a perda tão logo a inadimplência complete cinco anos ou adotar estratégias de cobrança mais extensas, considerando eventuais impactos de um futuro litígio tributário; e
  3. consulta a precedentes atualizados, uma vez que o entendimento do Carf e do Poder Judiciário é instável e ainda não está plenamente consolidado.

Mesmo não sendo possível adotar as recomendações acima, há bons e sólidos argumentos para que as empresas optem pela dedutibilidade dessas perdas definitivas. Caso o Fisco questione a dedução, o contribuinte poderá discutir o tema no âmbito administrativo, onde as demandas são analisadas de maneira mais técnica.

 

Vantagens ao contribuinte

Além disso, o contencioso administrativo no Carf oferece algumas vantagens ao contribuinte, como:

  1. suspensão da exigibilidade do IRPJ e da CSLL sem prestação de garantia durante a discussão administrativa;
  2. em caso de empate por voto de qualidade favorável à Fazenda, não há incidência de multas e, se houver pagamento em 90 dias, há exclusão também dos juros de mora;
  3. a decisão administrativa final favorável ao contribuinte não pode ser questionada pela Fazenda Nacional no Poder Judiciário; e
  4. em caso de decisão desfavorável, permanece a possibilidade de questionamento, pelo contribuinte, na esfera judicial.

Por outro lado, também é possível às empresas a adoção da via judicial preventiva, na qual:

  1. há maior imparcialidade na análise e no julgamento pelo Poder Judiciário;
  2. elimina-se a fase administrativa, evitando eventuais decisões desfavoráveis no Carf e imposições de multas de ofício;
  3. há possibilidade de decisões favoráveis definitivas com trânsito em julgado, uma vez que o Poder Judiciário ainda não se manifestou especificamente sobre essa matéria; e
  4. a via do mandado de segurança possui um rito sumário, portanto mais célere, e não gera ônus de sucumbência para o contribuinte.

 

Insegurança jurídica

Em síntese, a Lei nº 9.430/1996 oferece fundamento para a dedutibilidade das perdas de créditos inadimplidos há mais de cinco anos, sem exigir a adoção de procedimentos de cobrança. Entretanto, o Fisco insiste em exigir os requisitos do artigo 9º da referida lei, gerando insegurança jurídica.

Diante desse risco de autuação, recomenda-se boa organização contábil e documental, aliada à orientação jurídica especializada. Caso se opte por deduzir as perdas, é possível levar a discussão ao Carf caso ocorra questionamento das autoridades fiscais, aproveitando-se das vantagens do contencioso administrativo. Em paralelo, para contribuintes mais conservadores, o Poder Judiciário permanece como via alternativa, ante a inexistência de decisões vinculantes dos tribunais superiores, possibilitando uma discussão ampla e, se favorável, definitiva.

Fonte: Conjur.