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A urgência na contratação de fornecedores de produtos e serviços necessários ao combate ao coronavírus exigiu que os procedimentos fossem mais céleres e simplificados do que os previstos na Lei 8.666/1993.
Para atender essa necessidade, a Lei 13.979/2020, complementada pela Medida Provisória 926/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, trouxe, dentre outras medidas, uma hipótese adicional de dispensa de licitação e regras para respectiva contratação.
A lei é específica para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência internacional decorrente do coronavírus.
As regras desse procedimento serão aplicadas apenas enquanto perdurar a pandemia e os contratos regidos por essa lei terão duração de até 6 meses, podendo ser prorrogados por períodos sucessivos, enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos de emergência de saúde pública.
Para que as contratações ocorram por essa modalidade, devem ser atendidas as seguintes condições: (i) ocorrência de situação de emergência e de risco às pessoas; (ii) necessidade de pronto atendimento da situação; (iii) limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.
Dentre as medidas previstas para simplificar o procedimento, o legislador trouxe (i) a possibilidade de dispensar estudos preliminares de bens e serviços comuns; (ii) a redução pela metade dos prazos procedimentais do pregão; (iii) recursos administrativos apenas com efeito devolutivo; (iv) dispensa de audiências públicas prévias; (v) simplificação do Termo de Referência ou Projeto Básico.
Uma interessante diferença diz respeito à possibilidade da contratação por valores superiores àqueles estimados pelo Poder Público. Diante da notória volatilidade do mercado, é natural que os preços variem em pouco tempo. Assim, o legislador tomou o cuidado de não limitar o preço da contratação, como ocorre na Lei 8.666/1993.
Em caso de restrição de fornecedores, é possível dispensar a apresentação de documentos de regularidade fiscal e trabalhista ou o cumprimento de requisitos de habilitação, exceto a prova de regularidade de Seguridade Social e adequação do trabalho de menores.
Diante da excepcionalidade da situação e a fim possibilitar um melhor atendimento à população, optou-se por permitir a contratação inclusive de empresas inidôneas ou impedidas de participar de licitação e contratar com o Poder Público, desde que se trate da única fornecedora daquele bem ou serviço.
Ainda que a lei tenha concedido uma atenuação dos requisitos de habilitação, simplificação do procedimento administrativo e flexibilização quanto à escolha do fornecedor, é indispensável a formalização da contratação, com indicação das razões que fundamentaram a escolha realizada e imediata disponibilização dos contratos na internet.
Além disso, exige-se que os contratos sejam fiscalizados, por profissionais a serem nomeados, para garantir a eficiência da contratação e evitar desperdício de dinheiro público.
Há de se destacar, ainda, a aplicação do art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, o qual exige exame e aprovação por assessoria jurídica.
Outra importante inovação diz respeito à possibilidade de inclusão de cláusula prevendo a alteração unilateral quantitativa do contrato, por meio da qual os contratados ficarão obrigados a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões ao objeto contratado, em até 50% do valor inicial.
Por fim, possivelmente para conferir certa tranquilidade aos gestores públicos que estão sendo pressionados a tomar importantes decisões relacionadas ao combate do coronavírus, mas que estão amedrontados com os controles recebidos nos últimos anos e sua responsabilização, o legislador conferiu presunção absoluta ao atendimento da Lei, ou seja, presume-se legítima e verdadeira a situação calamitosa retratada.
Apesar dessa presunção absoluta, os agentes públicos devem sempre justificar a pertinência da contratação com base na Lei nº 13.979/2020 e Medida Provisória 926/2020, evidenciando que (i) a causa é uma necessidade pública para combate à pandemia; (ii) existe uma correlação lógica entre a causa e a consequência fático-jurídico a ser obtida pela contratação; (iii) é proporcional a medida, o tempo do contrato e objeto para atendimento do interesse público.
Ainda que se trate de uma medida emergencial, a dispensa do procedimento licitatório não elimina a obrigatoriedade da adoção da melhor solução possível para o caso, bem como observância aos procedimentos previstos, sendo certo que eventuais desvios deverão ser sancionados.
Por se tratar de uma situação muito recente, ainda não é possível saber como o Poder Judiciário se posicionará diante das contratações diretas realizadas com base nessa Lei.
Contudo, a experiência mostra um certo rigor quanto à aplicação de penalidades decorrentes de contratação direta em situações de calamidade pública, com fundamento na Lei 8.666/1993, quando a realidade concreta se mostrou diferente da utilizada como justificativa.
Considerando que o particular que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade administrativa, ou dele se beneficie, também poderá ser responsabilizado na forma da Lei de Improbidade Administrativa, é de extrema importância que todos os envolvidos na contratação, e não só os agentes públicos, observem atentamente as normas aplicáveis à espécie. Além de se certificar de que a situação se enquadra nas hipóteses previstas pelo legislador, é importante atentar-se para que todas as exigências relacionadas ao processo e à contratação sejam observadas.
Portanto, conclui-se que a comentada lei traz oportunidades àqueles fornecedores de bens ou serviços essenciais ao combate do coronavírus, mas estes também devem estar atentos aos termos e consequências da contratação, mencionados acima.
*Artigo originalmente postado no Jornal O Estado de S. Paulo