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Beatriz Tilkian no JOTA Empresas optam por benefícios trabalhistas flexíveis, mas advogados pedem cautela 27 de janeiro de 2021

Empresas permitem a concentração em um só cartão de benefícios como vale-refeição, alimentação e transporte

A concessão de benefícios trabalhistas de forma mais flexível tira a rigidez de, por exemplo, ter que usar o vale-refeição só em restaurantes e o vale-alimentação só em supermercados. Com base na premissa, algumas empresas têm optado por conceder aos funcionários cartões de benefícios que podem ser utilizados em uma ampla gama de locais.

Atualmente, pelo menos duas empresas possibilitam esse tipo de flexibilização. Lançados em 2020, a Flash e a Caju permitem a concentração em um só cartão de benefícios como o vale-refeição, o vale-alimentação, o vale-transporte e o vale-cultura. Os usuários ficam livres para gastar os valores creditados pelas empresas, que escolhem o grau de flexibilidade que querem conceder aos funcionários.

Advogados trabalhistas consultados pela reportagem, por outro lado, se dividem quanto à segurança jurídica dos benefícios flexíveis. Os especialistas apontam que para garantir que os benefícios não sejam tributados é necessário ao empregador garantir que não haja o “desvirtuamento” dos valores pagos.

O uso do cartão para determinados fins permitiria à Justiça considerar que parcelas salariais foram pagas por meio do cartão de benefícios, apontam advogados e juízes ouvidos pelo JOTA.

Por não fazer parte da remuneração, os benefícios trabalhistas não são tributados. A CLT traz as especificações sobre o que é ajuda de custo no parágrafo 2º do artigo 457, que cita o auxílio-alimentação, diárias para viagem, prêmios e abonos. Esses repasses, diz a CLT, “não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista ou previdenciário”.

A advogada trabalhista Daniela Yuassa, do Stooche Forbes Advogados, recomenda que as empresas tomem algumas precauções ao aderir a esses serviços. “A empresa deve tomar um cuidado de deixar claro que, por mais que haja a flexibilização, o funcionário deve priorizar o uso com transporte e alimentação [quando o funcionário receber pelo cartão o vale-alimentação, vale-refeição e vale-transporte]”, diz. “Quando se abre demais a gama de utilização, pode começar a dar margem para desvirtuamento”, explica.

Por isso, a recomendação é estabelecer regras quanto ao uso dos benefícios. “Eu faria um termo de responsabilidade onde o funcionário se compromete a não gastar os valores fora dos fins e, se possível, fazer uma fiscalização dos gastos, para coibir o desvirtuamento”, sugere Yuassa.

Essa restrição de uso pode ser delimitada pela empresa ao contratar a Flash ou a Caju.

“O RH entra em contato com a Caju e define as categorias disponíveis [alimentação, refeição, cultura, transporte], define regras e políticas. Os colaboradores têm a vantagem de poder flexibilizar na medida que a empresa definiu”, explica Eduardo del Giglio, CEO da Caju, que tem a bandeira Visa. “Se a empresa definir, o cliente pode migrar o benefício de mobilidade para alimentação, por exemplo”, diz. Além disso, a Caju oferece respaldo para tratar de eventuais ajustes na parte trabalhista. “Somos muito próximos no processo de venda e de pós venda. Nos colocamos à disposição de apresentar o produto ao sindicato da categoria”, revela Giglio.

Na Flash a dinâmica é semelhante, e as empresas podem definir o grau de flexibilidade que querem oferecer aos funcionários. “O produto é muito configurável empresa a empresa”, diz Ricardo Salem, um dos fundadores da Flash. “A Flash garante a segurança jurídica de que o colaborador só vai poder gastar nos estabelecimentos onde o empregador autorizou”, explica Yara Lea, advogada da HSVL Advogados que presta suporte jurídico à Flash.

Se a empresa escolher o modelo mais flexível, os créditos referentes aos benefícios trabalhistas podem ser usados em restaurantes, supermercados, padarias, livrarias, cinema, aplicativos de mobilidade, farmácias, lojas de eletrodomésticos, academias, plataformas de streaming como Netflix e Amazon Prime, entre outros.

No caso, da Flash, o cartão é da bandeira Mastercard, com abrangência em mais de dois milhões de estabelecimentos físicos. “Nos outros cartões há uma distinção entre refeição e alimentação quando, no fim das contas, estamos falando de comida”, ressalta Pedro Lane, um dos fundadores da Flash. “A gente assumiu o slogan que é ‘liberdade é mais que um benefício”.

Essa flexibilização já era realizada antes de forma improvisada, com a venda dos benefícios trabalhistas à custa de um ágio. Os compradores costumam ficar em pontos movimentados, como saídas de metrô, e anunciam aos gritos “compro vale-transporte, vale-refeição e vale-alimentação”.

A Flash hoje tem duas mil empresas como clientes e atende mais de 100 mil usuários. Já a Caju atende mil clientes, com uma base de 50 mil pessoas. O perfil das empresas é variado. “Começamos com clientes menores, principalmente startups, mas hoje atendemos também empresas médias e grandes”, conta Patrick Wladmirski, head de vendas da Caju.

Recomendações ao aderir à flexibilização

O parágrafo 2º do artigo 458 da CLT lista os benefícios que podem ser oferecidos aos trabalhadores sem serem considerados salários. Entre eles estão vestuário, educação, transporte, assistência médica, seguro de vida e vale cultura.

Para a advogada trabalhista Beatriz Tilkian, do Gaia Silva Gaede Advogados, um dos cuidados ao contratar esses cartões é incluir no bojo de benefícios somente aqueles que não tenham natureza remuneratória. “É mais seguro estabelecer que, ao conceder um cartão flex, que a linha de escolha seja dos benefícios que a lei escolhe como benefícios indenizatórios”, diz. “O cuidado que é preciso ter é não caracterizar como contraprestação pela atividade profissional”, completa.

Também é recomendável que não sejam realizados os pagamentos de prêmios nesses cartões. “O melhor é desmembrar, deixar os benefícios em um cartão e fazer o pagamento dos prêmios de forma separada”, entende Luiz Colussi, juiz do trabalho da 9ª Vara do Trabalho de Porto Alegre e vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Pagar prêmios de forma recorrente pelo cartão de benefícios pode caracterizar remuneração.

Os prêmios foram criados na reforma trabalhista de 2017 e passaram a ser tipificados na CLT: “consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”.

Na avaliação do advogado Marcos Lemos, sócio da área trabalhista do escritório Benício Advogados Associados, a flexibilização dos benefícios trabalhistas traz riscos às empresas. “O que vejo em princípio é um desvirtuamento da concessão desses benefícios, que deveria, em regra, ser destinados para seu uso específico”, afirma. “O empregador pode ter um prejuízo à frente, como uma ação de um trabalhador dizendo que recebia um benefício, como o vale alimentação, que permitia a compra de outros bens que não a alimentação e, se assim o fez, estava pagando salários”, alerta. “O empregador seria condenado por essa diferença, pela integralização do valor do benefício dentro do salário, além de se expor a autuações fiscais”.

 

POR ÉRICO OYAMA

FONTE: JOTA – 27/01/2021