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A solução de consulta em questão forjou um critério inexistente na legislação de regência do IOF-Câmbio para que seja aplicada a alíquota zero, qual seja: a contemporaneidade entre a conclusão do processo de exportação e a entrada dos valores no território nacional.
Ainda que com pouco alarde, mais especificamente na véspera do natal do ano passado, a Receita Federal publicou a solução de consulta COSIT 246/18 a qual, sem poder, criou um novo e amplamente subjetivo requisito para se aplicar a alíquota zero de IOF incidente sobre operações de câmbio relativas ao ingresso no país de receitas de exportação de bens e serviços: tal requisito é o cumprimento do imediatismo na internalização da receita. Explica-se:
Como se sabe, à luz do CTN, o fato gerador do IOF-Câmbio é a entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado, em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este. Sendo assim, ocorre o fato imponível toda vez que realizada a conversão da moeda estrangeira em nacional e vice-versa, havendo a sua disponibilização ao interessado, tornando-se devido o imposto no ato da liquidação da operação de câmbio.
Tal disposição está contida no art. 11, do decreto 6.306/07, que regula o IOF:
“Art. 11. O fato gerador do IOF é a entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado, em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este (lei 5.172, de 1966, art. 63, inciso II).
Parágrafo único. Ocorre o fato gerador e torna-se devido o IOF no ato da liquidação da operação de câmbio.”
Com base na legislação vigente, sempre que houver operação de câmbio em que for recebido, entregue ou posto à disposição do interessado valor em moeda nacional ou estrangeira, haverá a incidência do imposto. A contrario sensu, inexistindo operação de câmbio e sua a respectiva liquidação, o fato gerador do IOF não se perfectibiliza.
Por isso, em sua parte inicial, trilhou o caminho óbvio a solução de consulta COSIT 246/18, ao dispor que “no caso de manutenção dos recursos em moeda estrangeira no exterior (…), não há que se falar em liquidação de câmbio pois não se verifica a ocorrência do fato gerador do IOF-Câmbio.”. O problema viria a seguir.
Neste contexto, a referida solução de consulta prosseguiu dispondo que “(…) o fato gerador do IOF-Câmbio ocorrerá em caso de operação de câmbio relativas ao ingresso, no país, de receitas de exportação (…). Neste caso, fica a alíquota reduzida a zero.”. Até aí, novamente sem novidades, pois ainda que efetivamente realizado o fato gerador, a alíquota zero decorre de uma opção extrafiscal, contida na dicção do art. 15-B, I, do decreto 6.306/07, até como forma de incentivar as exportações:
“Art. 15-B. A alíquota do IOF fica reduzida para trinta e oito centésimos por cento, observadas as seguintes exceções:
I – nas operações de câmbio relativas ao ingresso no país de receitas de exportação de bens e serviços: zero;”
Contudo, logo a frente surgiu o cerne deste breve estudo, pois a Receita Federal criou hipótese à parte daquelas expostas acima, utilizando-se de uma interpretação sua de um critério temporal. Isto porque, atestou que “se os recursos inicialmente mantidos em conta no exterior forem, em data posterior à conclusão do processo de exportação, remetidos ao Brasil, haverá incidência de IOF à alíquota de 0,38%, conforme determina o caput do art. 15-B do Decreto 6.306, de 2007”.
Ou seja, a solução de consulta em questão forjou um critério inexistente na legislação de regência do IOF-Câmbio para que seja aplicada a alíquota zero, qual seja: a contemporaneidade entre a conclusão do processo de exportação e a entrada dos valores no território nacional.
Ausente tal contemporaneidade, a receita originalmente de exportação, pasmem, teria sua natureza modificada (como se fosse possível algo do gênero).
E ao assim proceder, a Receita violou o art. 150, I, da Constituição, além dos art. 97, II e IV, e 110, todos do Código Tributário Nacional.
Ora, em sua parte inicial, a solução de consulta COSIT 246/18 transmitia exatamente o disposto na legislação de regência do referido tributo: (i) recebimento no exterior com a manutenção dos valores fora do país, sem operação de câmbio: inexistência de fato gerador; (ii) liquidação do câmbio e ingresso dos valores no Brasil: incidência do IOF, sob a alíquota zero.
Entretanto, alterou a própria regra matriz de incidência tributária do imposto ao prever um critério temporal (contemporaneidade com a conclusão do processo de exportação) e talvez pior, sem pormenorizar o critério (um minuto, uma hora, um dia após o término; no mesmo dia da conclusão ainda seria válido?)
Dentro deste contexto, necessário o questionamento se o fato de o ingresso das receitas ser posterior à “conclusão do processo de exportação” desnaturaria a operação que a precedeu. Parece-nos que a resposta para a indagação é negativa, a partir do que se verifica do art. 16-A, II, da resolução 3.568/08, do Conselho Monetário Nacional, que dispõe sobre o mercado de câmbio:
“Art. 16-A No recebimento da receita de exportação de mercadorias ou de serviços, deve ser observado que:
I – o exportador de mercadorias ou de serviços pode manter no exterior a integralidade dos recursos relativos ao recebimento de suas exportações;
II – o ingresso, no país, dos valores de exportação pode se dar em moeda nacional ou estrangeira, prévia ou posteriormente ao embarque da mercadoria ou à prestação dos serviços, e os contratos de câmbio podem ser celebrados para liquidação pronta ou futura, observada a regulamentação do Banco Central do Brasil;
Veja-se, segundo o Banco Central do Brasil, que regula o mercado de câmbio no país, o fato de os valores decorrentes de exportação serem internalizados antes ou depois da prestação do serviço ou do embarque da mercadoria é de todo irrelevante. Continuam sendo, obviamente, originários de exportações e, portanto, subsumidos à alíquota zero.
De fato, não cremos que pudesse de outra forma ser entendido, pois uma modificação desta natureza pressuporia, muito provavelmente, a alteração até da essência do negócio jurídico celebrado que deu ensejo às operações que desaguaram nas exportações.
Sem dúvidas tal efeito cascata retroativo, caso possível no mundo fático, importaria em conferir uma interpretação ao contrato celebrado e a receita paga em um momento inicial, admitindo-se a alteração de sua natureza em um momento posterior, caso os valores não fossem internalizados no país até o término do processo de exportação.
Deveras, situação juridicamente inadmissível, para não se dizer teratológica, que refletiria uma verdadeira interpretação econômica e tributária do fato ocorrido ao arrepio dos seus mais básicos requisitos de vigência, eficácia e validade no mundo jurídico.
E não é só: a mesma resolução do CMN permite que os contratos de câmbio prevejam liquidação pronta ou futura. Noutras palavras, sempre que houver liquidação futura, o ingresso dos valores no país se dará posteriormente ao processo de exportação e nem por isso essa natureza é transmudada.
Outro fato que reforça a ilegalidade da posição aqui analisada é que a Receita Federal do Brasil já possui amplo conhecimento dos valores que são mantidos pelos contribuintes no exterior, em observância aos arts. 2º, §1º, e 4º, I, da instrução normativa 1.801/18, de modo que é possível manter efetivo controle sobre eles:
“Art. 1º Os recursos em moeda estrangeira relativos aos recebimentos de exportações brasileiras de mercadorias e de serviços para o exterior, realizadas por pessoas físicas ou jurídicas, poderão ser mantidos em instituição financeira no exterior, observados os limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). (…)
§ 2º A pessoa jurídica que mantiver recursos no exterior fica obrigada a manter escrituração contábil nos termos da legislação comercial, para evidenciar, destacadamente, os respectivos saldos e suas movimentações, independentemente do regime de apuração do imposto de renda adotado.”
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“Art. 4º As pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil que mantiverem recursos em moeda estrangeira no exterior, na forma prevista no art. 1º, ficam obrigadas a prestar à RFB informações:
I – relativas a recebimentos de recursos oriundos de exportações não ingressados no Brasil;”
Isto é, independente do momento em que esses valores ingressem no Brasil, a Receita tem o mais completo conhecimento do seu quantum e a sua origem.
Tal questão foi muito bem ilustrada pelo Ilustre dr. Igor Mauler em artigo1 para quem se os recebimentos se dão:
“Em conta estrangeira que recebe pagamentos de diversos tipos, como exportações e outras operações, e da qual saem recursos para pagamentos também variados, a origem realmente se perde. Mas não, por exemplo, no caso de contas específicas para o recebimento de receitas de exportação e cujas únicas saídas correspondam a remessas para o exportador brasileiro. Nesse caso, o simples descasamento temporal não pode justificar a incidência”
Vê-se, pois, que a Receita Federal dispõe de todos os mecanismos para identificar a operação que originou àqueles valores mantidos no exterior e, além de tudo, quantificá-los. Logo, não há qualquer razão fática ou jurídica para que se pretenda aplicar a alíquota de 0,38% de IOF aos valores internalizados decorrentes de exportação, baseado em um novel e incerto critério temporal, o qual padece de notória ilegalidade.
1 Para tributarista, entendimento da Receita sobre IOF de exportação é ilegal.
Artigo originalmente postado no Migalhas