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A Hering conseguiu decisão judicial definitiva para cancelar autuação fiscal sofrida por não recolhimento de contribuição previdenciária sobre valores distribuídos por meio de “stock options” – plano de opção de compra de ações oferecidos a executivos. O montante cobrado chegava a quase R$ 48 milhões.
A companhia recorreu ao Judiciário depois de sair derrotada no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), por meio do chamado voto de qualidade – desempate pelo presidente da turma julgadora, representante da Fazenda. Na Justiça, o entendimento foi favorável em primeira e segunda instâncias.
A Fazenda Nacional chegou a recorrer para que o caso fosse discutido no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Porém, sem sucesso por não ser possível, na Corte, rever provas. O processo foi encerrado no mês de maio.
Por meio dos planos de stock options, as companhias oferecem a funcionários ações próprias, muitas vezes por valores inferiores aos de mercado. É uma conhecida política de retenção de talentos.
Contudo, a Receita Federal considera, em muitos casos, que essas ações seriam remuneração indireta e cobra contribuições previdenciárias. Os contribuintes, por sua vez, defendem que se trata de uma forma de reter talentos, que não há garantia de ganho, já que as ações sofrem as oscilações de mercado.
Pelo plano oferecido pela Hering, os executivos tinham opção de compra de ações pelo valor de mercado. A aquisição poderia ser feita após um ano.
Ao analisar o caso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), o relator, desembargador Roger Raupp Rios, entendeu que, para efeito de incidência da contribuição previdenciária patronal, “a vantagem obtida pelos empregados com o exercício da opção de compra de ações não constitui remuneração, mas sim representa ganho eventual, ou espécie de prêmio ou abono desvinculado do salário, e que não integra o salário de contribuição”, conforme o artigo 28, parágrafo 9º, alínea “e”, item 7, da Lei nº 8.212/91.
A decisão destaca que o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou tese no sentido de que “a contribuição social do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, a qualquer título, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/98 (Tema 20)”.
Ainda menciona outro julgamento do STF (RE 565.160), segundo o qual “só deve compor a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador aquelas parcelas pagas com habitualidade, em razão do trabalho, e que, via de consequência, serão efetivamente passíveis de incorporação aos proventos de aposentadoria”.
Para o magistrado, no caso da Hering, “não se trata de importância pecuniária paga usualmente pelo empregador, mas um ganho eventual que pode vir a ser auferido, completamente desvinculado do salário, destinado a premiar os empregados”. Segundo o desembargador, a própria natureza volátil das ações “confere identidade jurídica de ganho eventual”.
De acordo com os advogados que assessoram a Hering no processo, Flavio Augusto Dumont Prado e Raphael Conrado, do Gaia Silva Gaede Advogados, ficou definitivamente reconhecido que o plano de opção de ações da Hering não possuía caráter remuneratório. Portanto, afirmam, não poderia ser usado como base para a incidência de contribuição previdenciária.
“O acórdão foi bastante completo na análise de fatos e provas. E o recurso da Fazenda não conseguiu subir ao STJ por envolver reanálise de provas”, diz Prado.
O Judiciário, acrescenta, entendeu haver um caráter mercantil nessa operação, que em uma relação de trabalho não existe. “O executivo que compra uma ação está sujeito às oscilações do mercado. Existe um risco”, afirma. Outro aspecto importante, segundo o advogado, é que não há contraprestação do trabalho referente às ações.
Prado reconhece existirem empresas que acabaram usando planos de opções de compra de ações como forma de remuneração indireta. “Casos em que houve simulação, não havia de fato um plano concreto.”
Caio Taniguchi, do escritório Tozzini Freire Advogados, destaca que, no caso da Hering, a decisão do TRF-4 sobre a inadmissibilidade do recurso para o STJ representou uma última tentativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) de levar a discussão sobre o desenquadramento das stock options da lista de isenções do artigo 28, parágrafo 9º da Lei nº 8.212.
“Mas como a gente já esperava, e há uma tendência no STJ, em decisões no mesmo sentido, esses casos de stock options dependem de avaliação de provas, fatos, documentos. Pela necessidade de nova dilação probatória, ficou configurada ofensa à Súmula nº 7 da Corte”, diz.
Para Taniguchi, apresentadas as provas de que o plano de stock options tem natureza mercantil, facultatividade, onerosidade e risco, o Judiciário tem afastado o caráter remuneratório e a execução fiscal para exigir contribuição previdenciária é extinta.
Grandes empresas como a BRF, Mercedes e Skanska Brasil já conseguiram decisões semelhantes favoráveis no STJ (AREsp 2322446, REsp 1983759 e REsp 1737555).
Discussão parecida ainda deve ser pacificada pelo STJ. A Corte analisará, por meio de recurso repetitivo, sobre a incidência do Imposto de Renda (IRPF) sobre diferenças obtidas com planos de stock options (REsp 2069644).
Procurada pelo Valor, a PGFN não deu retorno até o fechamento da edição.
Por Adriana Aguiar
FONTE: Valor Econômico