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Depois de duas décadas de batalhas travadas judicialmente e inúmeras derrotas, as empresas prestadoras de serviços de logística portuária finalmente conseguiram obter, no Tribunal de Contas da União (TCU) e, também, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a declaração de ilegalidade da cobrança da tarifa de Serviço de Segregação de Entrega (chamada SSE, ou THC2). A SSE ou THC2, como comumente conhecida, é uma tarifa imposta pelos operadores dos terminais marítimos (porto molhado) aos operadores dos terminais retroalfandegados (porto seco), pela movimentação e entrega das mercadorias fora do terminal marítimo.
Muito embora a SSE ou THC2 encontre sustentação em atos infralegais editados pela ANTAQ, com base na competência regulamentar outorgada pela Lei n. 10.233/2001, em decisão publicada em 27/09/2024 (RESP n.º 1.899.044/SP), a 1ª Turma Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a cobrança da referida SSE/THC2 é ilegal e configura um abuso de posição dominante, em violação à Lei de Defesa da Concorrência.
O fundamento da decisão do STJ é que os operadores portuários concorrem com os recintos alfandegários independentes (os retroportos ou portos secos) no mercado secundário pelo serviço de armazenagem alfandegada de cargas. Ao impor aos recintos independentes uma cobrança adicional pela movimentação horizontal das cargas no porto, os operadores portuários podem restringir as margens de lucro de seus concorrentes no mercado de armazenagem de cargas provenientes do exterior.
Os recintos independentes, por sua vez, não têm nenhuma autonomia para decidir com qual terminal portuário operar, uma vez que a decisão sobre qual porto utilizar na operação de importação já é tomada pelo armador ou importador no início da importação. A decisão da 1ª Turma do STJ representa uma inovação na jurisprudência, uma vez que, até então, prevaleciam no Judiciário decisões que consideravam legítima a cobrança da tarifa, havendo decisões dos Tribunais de Justiça e da Justiça Federal – e da 2ª Turma do próprio STJ – que a validavam. Houve inovação também no fato de a 1ª Turma ter aplicado uma análise antitruste, a despeito de se tratar de um setor regulado e cuja agência reguladora (ANTAQ) detém competência para promover ajustes tarifários, bem como para fomentar a competição, ficando vencida, a esse respeito, a Ministra Regina Helena Costa.
Ao adentrar a análise sob o ponto de vista do direito de concorrência, o STJ vai na linha de julgamento do CADE proferido em 2021, no qual o órgão administrativo de defesa da concorrência condenou operador portuário por abuso de posição dominante, bem como
2/2 impôs multa de R$ 9 milhões. Por seu turno, o Tribunal de Contas da União (TCU), em decisão publicada em 04/09/2024 (Acórdão 1825/2024), houve por denegar, por unanimidade, recurso da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) interposto contra a decisão que declarou ilegal a cobrança da tarifa e determinou à agência a suspensão da resolução que validava a cobrança, ao não identificar transparência na composição da tarifa que permitisse individualizá-la, ou, ainda, distingui-la da THC1, de modo que ensejaria o risco de duplicidade de cobrança.
Embora a decisão da 1ª Turma do STJ não seja vinculante, ela se dá num cenário de pronunciamentos do TCU e do CADE pela ilegalidade da cobrança da THC2/SEE. Por essas razões, ganhou força a tese jurídica de que a cobrança de SEE/THC2 é ilegal e, como consequência, caso a ANTAQ não a interrompa, há possibilidade de as empresas que recolhem a referida tarifa ajuizarem ações judiciais contra os operadores
portuários para afastar a sua cobrança, bem como para recuperar os valores pagos no passado.
Artigo publicado originalmente no Portos e Navios.