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O Tribunal de Justiça de São Paulo e o do Mato Grosso possuem algumas decisões permitindo a cobrança de valores retroativos nos casos em que há modulação dos efeitos
Recentes decisões proferidas pelos nossos tribunais têm levantado algumas dúvidas relevantes a respeito dos impactos da modulação dos efeitos, especialmente nos casos em que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar um tema de repercussão geral ou ação de controle concentrado, não define todos os aspectos da modulação.
Em geral, as decisões do STF, que reconhecem a inconstitucionalidade de alguma exação em controle concentrado ou em regime de repercussão geral, determinam a modulação dos efeitos ressalvando as ações judiciais e processos administrativos em curso. O problema disso é que, ao fazer a referida ressalva, normalmente o STF não deixa claro o seu entendimento a respeito da possibilidade de o Fisco cobrar o tributo reconhecido como inconstitucional retroativamente, para os casos em que os contribuintes não propuseram ação judicial anteriormente ao julgamento do mérito da exação. Em outras palavras, a decisão proferida pelo STF que determina a modulação dos efeitos não deixa claro se ela se refere somente aos casos em que o contribuinte pretende a recuperação de valores ou não.
Nesse julgamento, o único ministro que tratou a respeito da impossibilidade de o Fisco cobrar retroativamente para aqueles que não propuseram ação antes do julgamento do mérito foi Alexandre de Moraes, mas nenhum outro o acompanhou nesse ponto e o seu entendimento não foi objeto da parte dispositiva da decisão.
Assim como ocorreu no julgamento do Tema 69, em diversos outros casos, o STF só ressalvou da modulação as ações ajuizadas e/ou os processos administrativos em curso, sem se pronunciar sobre a cobrança retroativa dos contribuintes que não propuseram medidas judiciais e não recolheram os tributos julgados inconstitucionais. A título de exemplo, citamos o Tema 745 (seletividade do ICMS-energia elétrica) e o Tema 825 (ITCMD – doação/herança de bens no exterior).
Em outros casos em que houve a modulação dos efeitos, o STF deixou clara a impossibilidade da referida cobrança retroativa, como ocorreu no Tema 962 (não incidência do IRPJ/CSLL sobre a Selic), em que foi dito expressamente que estavam ressalvados da modulação “os fatos geradores anteriores a 30/9/21 em relação aos quais não tenha havido o pagamento do IRPJ ou da CSLL a que se refere a tese de repercussão geral”. O problema é que, na maioria das decisões de modulação, o STF não faz essa ressalva, dando espaço para a interpretação de que o Fisco poderia cobrar os valores retroativos.
Essas dúvidas surgem aos poucos no Poder Judiciário. O Tribunal de Justiça de São Paulo e o do Mato Grosso, por exemplo, possuem algumas decisões bem recentes permitindo a cobrança de valores retroativos nos casos em que há modulação dos efeitos sem a ressalva específica para os contribuintes que não recolheram os valores e não propuseram medida judicial antes do julgamento do mérito pelo STF. Isso ocorreu, por exemplo, em casos envolvendo a cobrança da taxa municipal de fiscalização de torres e antenas de transmissão e recepção de dados e voz e em casos envolvendo a cobrança do ICMS em operações de transferência de mercadoria entre estabelecimentos.
A cobrança retroativa é bastante questionável e esbarra em inúmeros obstáculos, na medida em que a modulação dos efeitos não visa tornar válida a cobrança de um tributo considerado inconstitucional, mas sim evitar o ajuizamento de ações de repetição de indébito, que poderiam comprometer os cofres públicos. Admitir tal privilégio ao Fisco equivale, ainda, a aceitar que a modulação tenha efeitos não equitativos, ou seja, permite-se a cobrança de tributos inconstitucionais e, ao mesmo tempo, veda o direito de o contribuinte reaver os mesmos tributos.
O julgamento da ADC 49 evidencia a relevância e atualidade da dúvida. Na referida ação, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte e modulou os efeitos da decisão ressalvando os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão. Como o STF não deixou expresso o seu entendimento de que o Fisco não poderia cobrar os valores retroativos para os contribuintes que não propuseram medidas judiciais e nem recolheram os valores, o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), na qualidade de amicus curiae, opôs embargos de declaração pedindo ao STF que deixasse expressa a impossibilidade da cobrança retroativa.
O resultado desse julgamento poderia ser extremamente relevante não somente para o mérito da cobrança discutida no âmbito da ADC 49, como para todos os casos em que o STF não delimitou todos os contornos da modulação dos efeitos. Poderíamos ter uma definição de como a nossa Corte Suprema entende os efeitos da modulação dos efeitos das suas decisões nos casos em que não é feita expressa ressalva a respeito da cobrança dos valores passados para quem não propôs a ação antes do julgamento do mérito. Todavia, como o STF não conheceu dos embargos por entender que o amicus curiae não tem legitimidade recursal, continuaremos sem saber quais são os efeitos da modulação dos efeitos nessas situações.
*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.