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Decisão do STF sobre a jornada dos motoristas impacta empresas de transporte, aumentando custos e exigindo ajustes do tempo de trabalho.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucionais trechos do artigo 235-C da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), trouxe mudanças significativas para as empresas de transporte rodoviário e seus motoristas. A decisão, resultante da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5322, afeta a jornada de trabalho e os direitos dos motoristas profissionais, gerando reflexos econômicos e operacionais para o setor.
Foram declarados inconstitucionais os dispositivos legais que permitiam a redução ou o fracionamento dos intervalos entre jornadas e do descanso semanal remunerado, bem como os trechos que excluíam, do tempo de efetivo trabalho, o período em que o motorista ficava à disposição do empregador para o carregamento/descarregamento de mercadorias ou durante fiscalização em barreiras fiscais ou alfandegárias, conhecido como “tempo de espera”.
Desde a Reforma Trabalhista, em 2017, esse chamado tempo de espera não era considerado tempo efetivo de trabalho e seria remunerado na proporção de 30% do valor do salário-hora normal.
Com a declaração de inconstitucionalidade, o tempo de espera passa a ser considerado hora de efetivo trabalho, e o motorista passará a receber horas extras a partir da extrapolação da jornada contratual.
As horas extras são remuneradas com adicional mínimo de 50%, o que aumentará o valor da folha de pagamento das empresas que possuem motoristas empregados, além de gerar desafios para a gestão das horas e das escalas de trabalho desses profissionais.
Não se pode deixar de notar que o aumento do valor da folha de pagamento das empresas de transporte também gera impactos na economia em geral, na medida em que poderá desencadear um aumento no custo dos produtos transportados para o consumidor final.
De acordo com dados publicados pelo Ministério dos Transportes, a Secretaria Nacional de Trânsito estima que existam mais de 3,5 milhões de caminhões em circulação no Brasil e que cerca de 75% de todas as mercadorias movimentadas pelo território brasileiro utilizem o modal rodoviário.
Ou seja, a decisão possui consequências que afetam a sociedade brasileira como um todo, e não apenas as empresas atuantes no ramo de transporte de cargas rodoviárias e seus motoristas.
Além dos impactos já destacados, não estava claro, na decisão do STF, qual o momento de sua aplicação: se valeria para casos vigentes ou apenas para novos casos, ou ainda se haveria alguma modulação de seus efeitos.
Em razão disso, foram opostos embargos de declaração pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), pleiteando esclarecimentos do STF acerca da modulação dos efeitos da decisão.
Acertadamente, a nosso ver, os embargos da CNTTT foram acolhidos parcialmente para, entre outros pontos, modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, atribuindo-lhes eficácia ex nunc, a contar da publicação da ata do julgamento de mérito da ADI, ou seja, a partir de 14/08/2024.
Um dos argumentos utilizados para conferir eficácia temporal diferenciada ao julgado foi a possível emergência de um passivo trabalhista superior a R$ 250 bilhões, devido ao afastamento de uma norma que vinha sendo aplicada há anos pelas empresas e que se presumia constitucional, o que poderia gerar um aumento expressivo de novas ações trabalhistas, inclusive para reverter decisões já proferidas em processos encerrados.
Ou seja, caso não houvesse a modulação dos efeitos da decisão, a segurança jurídica seria gravemente afetada, já que as empresas seriam punidas por aplicarem a norma anteriormente vigente.
Diante do exposto, é certo que as empresas de transporte rodoviário de cargas precisarão rever suas práticas de gestão de tempo e jornada dos motoristas, tendo em vista que o controle rigoroso e preciso do tempo de espera se torna essencial para evitar passivos trabalhistas decorrentes de autuações por descumprimento das normas modificadas e possíveis condenações, garantindo, assim, o cumprimento das diretrizes impostas pela nova jurisprudência do STF.
Artigo publicado originalmente no Monitor Mercantil.