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Análise: transparência salarial revela incertezas jurídicas e desafios na busca pela igualdade de gênero no mercado
A divulgação do “Relatório da Transparência Salarial” pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em março de 2024, conforme estipulado pela Lei 14.611, de julho de 2023, marca um avanço significativo na busca pela igualdade de gênero no mercado de trabalho.
Esta legislação, direcionada a empresas com mais de 100 empregados, visa garantir a equiparação salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres que desempenham funções equivalentes.
Ao estabelecer mecanismos de transparência salarial, ampliar a fiscalização contra discriminação, disponibilizar canais para denúncias, promover programas de diversidade e inclusão e incentivar a capacitação feminina, a lei demonstra um compromisso claro com a promoção da equidade e da justiça social no ambiente de trabalho.
Para fiscalizar e assegurar o seu efetivo cumprimento, a Lei determinou a publicação semestral do relatório da transparência salarial, observados os termos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, sendo a primeira vez até 31 de março deste ano.
A não divulgação pelas empresas pode gerar a aplicação de multa administrativa, cujo valor corresponderá a até 3% da folha de pagamento do empregador, limitado a 100 salários mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.
No entanto, embora o texto legal busque confirmar ideais de igualdade entre as pessoas, já trazidos desde a Constituição Federal, a forma como essa questão tem sido operacionalizada gera muita insegurança às empresas.
A própria emissão deste relatório foi polêmica desde sua origem: havia divergência entre o que estava na regulamentação jurídica e o divulgado nas páginas do sítio oficial do MTE, a ponto de ser necessária a realização de uma live com membros do Ministério para que houvesse explicação e a apresentação do formato do documento; houve suposto vazamento dos relatórios às vésperas da divulgação oficial, quando o órgão também emitiu nota explicativa pedindo a desconsideração de todo o material que fosse acessado antes de 21 de março de 2023; e houve atraso na divulgação final do relatório pelo MTE, reduzindo o tempo de análise pelas empresas das informações apuradas que deveriam ser objeto de publicação em suas redes sociais.
Além destes aspectos que, por si só, geraram bastante insegurança jurídica, especialmente para as empresas, não houve consenso nas decisões judiciais proferidas em caráter preliminar: algumas garantiram o direito das empresas de não publicarem o relatório da transparência salarial e outras não o concederam.
Realmente, parte deste cenário de insegurança e de agitação decorre do fato de que a Lei 14.611/2023 foi publicada em julho de 2023 e já trouxe a possibilidade de aplicação de multa para as empresas a partir de março de 2024, sem um período de maturação das ferramentas que os empregadores poderiam adotar para o desenvolvimento de políticas para a redução da desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. E ainda, com o risco de inconsistência de informações, já que os dados utilizados foram aqueles lançados no e-social em 2022 e sem a possibilidade de eventual impugnação das informações geradas pelo MTE para compor o relatório que, ao final, deve ser divulgado pelas empresas.
Neste cenário de dúvidas, uma de nossas recomendações é a análise detalhada das informações trazidas pelo relatório para avaliação da estruturação de políticas que mitiguem eventuais diferenças entre homens e mulheres na mesma função, ou para estruturação de impugnação (até mesmo em sede judicial) do conteúdo das informações trazidas pelo Ministério do Trabalho para tentar afastar eventuais prejuízos à imagem da empresa e ao clima institucional decorrentes de um relatório inconsistente e com informações desatualizadas.
* Artigo publicado originalmente no Monitor Mercantil.