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Estudo da FecomercioSP aponta prejuízo bilionário às empresas brasileiras devido à insegurança jurídica no setor trabalhista, especialistas analisam o fato e fazem recomendações aos executivos.
Um estudo da FecomercioSP revelou que a insegurança jurídica no campo trabalhista impõe um prejuízo superior a R$ 9 bilhões anuais às empresas brasileiras, reduzindo investimentos, prejudicando o planejamento financeiro e comprometendo a geração de empregos formais.
A análise, feita por José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações de Trabalho e Ives Gandra Martins, presidente do Conselho Superior de Direito, com o apoio de ferramentas de jurimetria da Data Lawyer, considerou dez casos emblemáticos, e concluiu que decisões judiciais contraditórias e interpretações divergentes da legislação estão na raiz do problema.
Instabilidade jurídica: o quê está por trás?
Sergio Pelcerman, sócio trabalhista do Almeida Prado & Hoffmann, explica que a insegurança jurídica decorre de “instabilidade normativa e jurisprudencial que compromete a previsibilidade e a confiança nas regras que regem os vínculos empregatícios”.
De acordo com Sérgio, trata-se de um fenômeno que decorre da interpretação extensiva e, por vezes, contraditória da legislação trabalhista, aliada à elevada taxa de judicialização do setor. Dentre os principais fatores contribuintes, destacam-se a ausência de uniformização jurisprudencial em temas sensíveis, o ativismo judicial que relativiza o texto normativo em prol de princípios genéricos, e a constante edição e revogação de normas infralegais, sem adequada consolidação ou diálogo institucional.
Para ele, a soma desses pontos resulta em um ambiente em que empregadores enfrentam elevada dificuldade para calcular riscos e tomar decisões jurídicas seguras, a fim de mitigar ou reduzir impactos trabalhistas e previdenciários.
Como os R$ 9 bilhões impactam as empresas?
O levantamento da FecomercioSP demonstrou que, mesmo considerando apenas dez temas trabalhistas relevantes, os custos empresariais superam R$ 9 bilhões ao ano. Para Patricia Maione, sócia da Loma Consultoria, esse impacto se materializa no dia a dia em:
- Provisões contábeis infladas: elevação de reservas para contingências trabalhistas, que afeta EBTIDA e acesso a crédito;
- Condenações imprevisíveis: invalidação de terceirizações pode acrescentar 140 % de custo anual à folha do contrato;
- Multas, correção monetária e honorários que não estavam no orçamento;
- Efeito reputacional e atrasos em investimento: cada ação prolongada encarece o capital e paralisa planos de expansão.
Taunai Moreira, sócio do escritório Bruno Boris Advogados, enfatiza que, “para muitas empresas, parte do capital que poderia remunerar trabalhadores e expandir operações é destinado a reservas financeiras para cobrir passivos trabalhistas.”
Principais falhas corporativas no enfrentamento do passivo trabalhista
Os especialistas ouvidos apontam falhas comuns na governança jurídica das empresas, que potencializam o risco trabalhista:
- Ausência de compliance estruturado e de gestão preventiva
- Falta de políticas claras de RH e controle de jornada
- Negligência documental e ausência de auditorias periódicas
- Ignorância dos precedentes vinculantes
- Desconhecimento da força de trabalho e do mercado regulatório
Consequências da jurisprudência volátil no cálculo de contingências
A falta de estabilidade das decisões impacta diretamente os cálculos de provisionamento e dificulta previsões financeiras. Roberta Fixel, advogada da área trabalhista do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, afirma que essa incerteza compromete a elaboração de provisões contábeis precisas e afeta diretamente o fluxo de caixa, devido a despesas e desembolsos inesperados. Além disso, influencia negativamente a definição de modelos contratuais e de políticas de benefícios, exigindo das empregadoras revisões constantes e adaptações frequentes para mitigar riscos e garantir a conformidade com a legislação trabalhista.
Maione explica que o passivo se torna um fator de incerteza contábil e financeira, prejudicando inclusive a obtenção de crédito e a expansão das operações. “Do ponto de vista estratégico, a empresa passa a operar com uma ‘taxa de incerteza’ que encarece crédito, retrai investimentos e limita contratações”. A especialista sintetiza, “decisões imprevisíveis transformam o planejamento financeiro em exercício de gestão de crise permanente, corroendo competitividade e desviando recursos de inovação para custear litígios que poderiam ser minimizados com um ambiente regulatório mais estável”.
Ferramentas, tecnologia e boas práticas recomendadas
Os especialistas convergem na importância de soluções estruturadas e tecnológicas para reduzir a exposição ao risco trabalhista:
- Programas robustos de compliance e diagnóstico jurídico
- Softwares de controle de jornada e compliance digital
- Legal analytics e IA preditiva para gestão de contingências
- Auditorias contínuas e políticas de conduta atualizadas
- Capacitação periódica de lideranças e departamentos de RH
Maione sugere a integração de RPA, data lakes trabalhistas, monitoramento psicossocial e governança digital como pilares para empresas de médio e grande porte.
Compliance negligenciado ainda representa risco
Para Fixel, um dos pontos fundamentais frequentemente ignorados são os canais de denúncia efetivos e confidenciais. É comum empresas possuírem esses canais, mas falharem em garantir a confidencialidade e a investigação dos casos, o que desestimula denúncias sobre assédio, discriminação ou outras irregularidades.
Assim, outra falha recorrente é não ter procedimentos claros para apurar denúncias ou a falta de documentação dessas investigações, o que impede que a empresa se defenda adequadamente em processos judiciais futuros.
Nesse sentido, o treinamento contínuo e abrangente também é subestimado, uma vez que compliance não deve ser tratado como um evento isolado, mas sim como uma cultura que precisa ser disseminada por meio de capacitações regulares para todos os níveis da empresa. Desse modo, o monitoramento e a auditoria contínua do programa de compliance também são essenciais para garantir sua efetividade e identificar pontos de melhoria.
Principais Falhas Corporativas na Gestão do Risco Trabalhista
Entre os fatores que agravam a insegurança jurídica trabalhista estão:
- Ausência de compliance e governança trabalhista
- Inexistência de controle efetivo de jornada
- Falhas no envio de informações ao eSocial
- Desalinhamento contratual e documental
- Falta de atualização sobre jurisprudência e precedentes
Desafios de acordo com o porte da empresa
De acordo com a consultora, Patrícia Maione, os desafios enfrentados por empresas de médio e grande porte, são diferentes. Na empresa de médio porte há a necessidade de priorizar, escolhendo onde aplicar recursos, por exemplo, investir no controle de jornada remoto ou na contratação de consultoria para análises pontuais que evitem surpresas contábeis. Já na empresa de grande porte, há o desafio de orquestrar múltiplas unidades e fornecedores, garantindo uniformidade de políticas, a fim de transformar dados centralizados em inteligência estratégica.
Contexto externo confirma urgência da pauta
O estudo da FecomercioSP reforça a percepção de especialistas e investidores: leis trabalhistas complexas, judicialização excessiva e decisões voláteis afastam capitais e freiam contratações. Em termos de segurança jurídica e respeito às regulações, o país ocupa apenas a 76ª posição no ranking de segurança jurídica do World Justice Project, ONG que avalia o tema em 142 países.
Os especialistas entrevistados convergem ao dizer que a insegurança jurídica trabalhista é um problema multifacetado, que exige respostas integradas: aperfeiçoamento das leis, maior uniformização jurisprudencial, compliance técnico‑preventivo, cultura de mediação e uso estratégico de tecnologia. Esses elementos são essenciais para reduzir os custos bilionários para o setor produtivo e, sobretudo, para atrair investimentos e gerar empregos formais com previsibilidade.
Por: João Andrade.
Fonte: Análise Advocacia.