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Importante avaliar a possibilidade dos benefícios que esse instrumento pode proporcionar antes que as mudanças propostas, se aprovadas, sejam implementadas.
A reforma tributária tem sido um dos assuntos mais comentados do momento. Isso porque a Câmara aprovou, há poucos dias, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19. Essa aprovação representa uma resposta aguardada pelo empresariado brasileiro, que há décadas busca uma reforma tributária que, para além da redução de carga, também simplifique o nosso sistema.
No entanto, o que observamos em 2023 se assemelha mais a um canteiro de obras robusto do que a uma mera reforma. Trocadilhos à parte, ao longo deste ano diversos Projetos de Lei, Medidas Provisórias e Instruções Normativas foram apresentados, além de importantes julgamentos nos tribunais superiores, todos relacionados a questões tributárias.
Dentre os temas em debate, que variam desde o retorno do voto de qualidade até alterações nas regras de tributação das subvenções para investimentos, preços de transferência, fundos de investimentos no País e offshores, encontra-se o fim da dedutibilidade dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP).
Criada em 1995 pela lei 9.249, em seu art. 9°, a dedutibilidade dos JCP é uma ferramenta importante para as empresas brasileiras remunerarem o capital investido pelos sócios ou acionistas. Sobre o valor dos JCP contabilizados, incide IRRF à alíquota de 15%, resultando, em regra, em um ganho tributário de 19% devido à diferença entre a alíquota do IRRF e a alíquota conjunta de 34% do IRPJ e da CSLL, reduzidos pela dedutibilidade dos juros na fonte pagadora.
Contudo, desde a instituição dos JCP, a Receita Federal do Brasil (RFB) tem buscado restringir a utilização desse instrumento pelas empresas. Por meio de Instruções Normativas e Soluções de Consulta, a RFB, de forma ilegal, estabeleceu que é vedada a dedução dos JCP que tenham como base de referência contas do patrimônio líquido relativas a exercícios anteriores ao seu efetivo reconhecimento contábil, os chamados “JCPs de anos anteriores”.
Todavia, o art. 9° da lei 9.249/95 não estabelece qualquer limite temporal para o pagamento dos JCP, condicionando apenas à existência de lucros correntes ou acumulados em montante igual ou superior ao dobro do valor pago a título de JCP.
Após diversas autuações por parte da RFB, essa questão chegou à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), última instância administrativa de julgamento, que, na maioria das decisões proferidas, confirmou o posicionamento da RFB.
Ainda no âmbito administrativo, de 2020 a 2022, observaram-se algumas decisões favoráveis aos contribuintes, proferidas pela CSRF, em virtude da sistemática de desempate pró-contribuinte, estabelecida pelo art. 19-E da lei 10.522/02.
Entretanto, com o retorno do voto de qualidade, reinserido no ordenamento jurídico pela lei 14.689/23, é provável que a jurisprudência da CSRF volte a ser majoritariamente desfavorável aos contribuintes.
Na esfera judicial, desde 2009, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Recurso Especial (REsp) 1.086.752, firmou o entendimento de que a legislação não impõe que a dedução dos JCP deva ser feita no mesmo exercício financeiro em que realizado o lucro da empresa. Em outras palavras, permitiu a dedução dos JCP de anos anteriores.
O fato de a decisão proferida pelo STJ em 2009 não vincular os Tribunais Regionais Federais (TRFs) fez com que, a depender da região, fossem proferidas decisões com entendimentos distintos ao longo dos anos.
Para o TRF da 3ª Região, por exemplo, a legislação não impôs restrição temporal para a contabilização e consequente dedução da despesa com os JCP de anos anteriores ao do efetivo pagamento.
Por outro lado, o TRF da 4ª Região possui decisões no sentido de que a competência para deliberação do pagamento dos JCP é limitada ao próprio exercício do ato societário, sem possibilidade de deduzir a despesa de forma acumulada.
Recentemente, a 1° e a 2° turma do STJ (REsp 1.971.537/SP e 1.955.120/SP) reafirmaram o entendimento favorável aos contribuintes sobre a questão, possibilitando às empresas a dedução dos JCP “no momento do pagamento a seus sócios/acionistas”. Para o STJ, a única condição legalmente estabelecida é a existência de lucros no exercício ou de lucros acumulados e reserva de lucros que representem ao menos duas vezes os JCP que serão pagos.
Considerando a tendência da consolidação da jurisprudência do STJ a favor dos contribuintes, o que pode, inclusive, repercutir nos TRFs, e a busca do Governo Federal por aumentar a arrecadação visando equilibrar o déficit fiscal, foi encaminhado à Câmara o Projeto de Lei (PL) 4.258/23. Este projeto veda a dedução dos JCP na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
O PL em questão encontrou grande resistência no Congresso, levando o Governo Federal a buscar alternativas ao fim da dedutibilidade dos JCP. Essas alternativas incluem, por exemplo, a exclusão das reservas de incentivos fiscais da base de cálculo dos juros. Tais medidas foram incorporadas à MP 1.185/23, que trata sobre as subvenções para investimento, e serão aplicáveis a partir de 1º de janeiro de 2024.
Assim, ainda existe uma janela de oportunidade que pode ser aproveitada pelos contribuintes em 2023, especialmente no que tange à base de cálculo, sem as restrições impostas pela MP, e aos JCP de anos anteriores. Em meio ao foco na reforma tributária, é importante que seja avaliada a possibilidade de aproveitamento dos benefícios que esse instrumento pode proporcionar antes que as mudanças propostas, se aprovadas pelos nossos congressistas, sejam implementadas.
*Artigo publicado originalmente no Migalhas.