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Ana Helena S. L. de Souza e Heitor Cesar Ribeiro no Valor Econômico Logística reversa e créditos de PIS e Cofins 27 de novembro de 2024

Não nos resta dúvida de que os gastos com logística reversa e reciclagem, sejam eles decorrentes de obrigação legal, política da empresa ou acordo com órgãos públicos, enquadram-se como insumos.

A Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 11/2024, negou a possibilidade de tomada de créditos de PIS e Cofins sobre despesas com logística reversa. Esse posicionamento afeta diretamente as indústrias que incorrem em despesas no gerenciamento de seus resíduos.

No caso concreto, a consulente, que se dedica à moagem de café e fabricação de laticínios, criou um Programa de Sustentabilidade em observância à Lei nº 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos), propondo-se a reciclar seus resíduos, incentivando os consumidores a trocarem embalagens vazias (não biodegradáveis) por brindes. Tal programa é requisito para o licenciamento ambiental e, por conseguinte, à permissão de funcionamento.

A Receita vedou o direito ao crédito das contribuições porque, supostamente, as despesas não atenderiam aos requisitos de essencialidade e relevância fixados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1221170/PR, já que o direito ao crédito estaria condicionado ao emprego das despesas diretamente no processo produtivo.

Não obstante o entendimento do Fisco, mesmo que as referidas despesas ocorram após a fase de produção, ainda assim elas se enquadram como insumos para fins de tomada de crédito de PIS e Cofins sob o critério da “relevância”.

Nesse sentido, o STJ firmou a tese de que o conceito de insumo deve ser aferido: 1) à luz da “relevância”, para os casos em que o gasto, embora não seja indispensável à produção ou prestação de serviço, integre a atividade econômica ou a cadeia produtiva por força de imposição legal; ou 2) à luz da “pertinência”, com base nos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

Dessa maneira, para o enquadramento do dispêndio como insumo à luz da “relevância”, por se tratar de imposição legal, não há como requisito a obrigatoriedade de que o gasto seja aplicado no processo fabril. Diferentemente, para o seu enquadramento como insumo, basta que o gasto decorra de uma imposição legal que, caso não seja atendida, inviabilize a operação do contribuinte.

Posto isso, a Lei nº 12.305/2010 expressamente atribuiu a responsabilidade de estruturar e implementar medidas de reciclagem e logística reversa aos fabricantes, importadores, comerciantes e distribuidores de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes e seus resíduos e embalagens, lâmpadas fluorescentes e produtos eletroeletrônicos e seus componentes.

Além do tratamento para os produtos especificamente listados, a lei também atribui aos fabricantes, importadores, comerciantes e distribuidores a responsabilidade de, quando firmados compromissos com o Poder Público, participar de ações previstas nos planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos. A isso somam-se as normas regulatórias direcionadas para o descarte adequado, reciclagem e demais ações de logística reversa para tantos outros segmentos, como vestuário, fármacos, indústria de automóveis e de alimentos, por exemplo, cujo descumprimento submete as empresas a severas penalidades pecuniárias e que, no limite, impedem o próprio funcionamento das operações.

Em tema semelhante, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é favorável aos contribuintes ao admitir créditos de PIS e Cofins sobre despesas com tratamento de resíduos e efluentes decorrentes do seu processo industrial (como nos acórdãos nº 3301-012.931 e nº 9303-012.724). Nesse caso, o Carf reconhece a obrigação legal do contribuinte de tratar seus resíduos industriais, a fim de evitar a contaminação do meio ambiente (seja contaminação do solo, da água ou do ar).

Especificamente quanto à logística reversa, ainda é incipiente a quantidade de julgados favoráveis à tomada dos créditos de PIS e COFINS (acórdãos nº 3301-013.627, nº 3301-013.636 e nº 3301-013.637).

Além disso, o acórdão nº 3301-014.003 negou o crédito sobre o frete na operação de logística reversa, porque ele supostamente ocorreria após a operação de venda, não se enquadrando como insumo (inciso II do artigo 3º das leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003) nem como transporte na operação de venda (inciso IX do mesmo dispositivo legal).

Não obstante, ainda que as referidas despesas ocorram em uma fase pós-produção, não se pode entender que seja pós-venda, já que o compromisso do industrial perante o comprador e perante a sociedade apenas se encerra após a consubstanciação das ações de logística reversa.

Ademais, não é lógico, tampouco coerente com as ações necessárias para combater a flagrante crise climática e ambiental, que seja dado tratamento diverso (e mais desfavorável) aos contribuintes que promovam a logística reversa e reciclagem de suas embalagens ou que adotem práticas de economia circular, que são ferramentas para diminuir a degradação ambiental.

Sendo assim, não nos resta dúvida de que os gastos com logística reversa e reciclagem, sejam eles decorrentes de obrigação legal, política da empresa ou acordo com órgãos públicos, enquadram-se como insumos nos termos dos conceitos fixados pelo STJ, de maneira que o posicionamento desfavorável ao contribuinte emitido pela Receita Federal não possui qualquer fundamento legítimo e pode ser questionado junto aos tribunais administrativos e judiciais, além de constituir flagrante medida de desestímulo a práticas de proteção ao meio ambiente, tão urgentes e necessárias no contexto atual, em que nosso planeta padece e pede socorro.

 

Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.