Mídia
Com o avanço das novas tecnologias e da transformação do cenário digital global, osmarketplaces surgiram como protagonistas, representando um modelo de negócios queconecta vendedores (sellers) a consumidores finais, por meio de plataformasinteiramente digitais. Nesse contexto, o marketplace não é, em regra, o detentor dosbens ofertados, mas mero intermediário do negócio jurídico, o que possibilita diversosarranjos nesse ambiente de negociação – como as atividades B2C (empresa para oconsumidor), B2B (empresa para empresa) e C2C (consumidor para consumidor), querefletem a variedade de atuação e público-alvo destas plataformas.
Pela sua natureza, as empresas que atuam como marketplaces geralmente exercem asatividades principais de intermediação de negócios e licenciamento de uso de software(disponibilização de plataforma digital), ambas atividades descritas na Lista Anexa à LeiComplementar nº 116/2003, que institui o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza(ISS).
Não obstante tal enquadramento, historicamente as atividades dos marketplaces sãoobjeto de debate entre Fisco e contribuintes. Entre os temas debatidos está a exposiçãodos marketplaces, nos últimos anos, a mais uma controversa exigência tributária: suaresponsabilização pelo não recolhimento do ICMS incidente na venda das mercadorias,atribuída em solidariedade aos sellers por alguns Estados.
O fundamento legal mais utilizado pelos Estados para responsabilizar o marketplace é oartigo 124, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN), que trata da responsabilidadesolidária quando há “interesse comum” dos participantes com a situação fáticarelacionada ao fato gerador da obrigação tributária. Nessa hipótese, o Fisco nãoprecisaria exigir inicialmente o tributo do seller, podendo exigi-lo diretamente domarketplace.
Tal argumento tem sido duramente rebatido pelos contribuintes, na medida em que amera intermediação (aproximação dos vendedores com os compradores) não bastariapara configurar o “interesse comum” ao qual se refere o inciso I do artigo 124 do CTN, jáque inexiste qualquer interesse jurídico comum na situação que resulta na obrigaçãotributária; os marketplaces não são sujeitos da relação jurídica de compra e venda demercadorias, papéis estes em que figuram apenas o seller e o comprador.
Com a regulamentação da reforma tributária, por meio da promulgação da LeiComplementar (LC) nº 214/2025 que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e aContribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o impasse tende a continuar em desfavor dasplataformas digitais que atuam como marketplaces.
Isso porque a referida lei atribui a responsabilidade solidária pelo pagamento do IBS e daCBS às plataformas digitais, assim entendidas aquelas que atuam como intermediáriasentre fornecedores e adquirentes nas operações e importações realizadas por meioeletrônico, e que controlem um ou mais dos elementos essenciais à realização daoperação, quais sejam: cobrança, pagamento, definição dos termos e condições eentrega da mercadoria.
Logo, a responsabilização alcançará não apenas os marketplaces, mas empresas dosetor de delivery e de oferta de transporte particular de passageiros, por exemplo.
De acordo com a LC 214/2025, a responsabilidade será solidária com o adquirente, emsubstituição ao fornecedor, caso este esteja localizado no exterior; ou o fornecedor, casoeste seja domiciliado no Brasil e, sendo contribuinte, não registre a operação comdocumento fiscal eletrônico.
Tal exigência resultará para as plataformas digitais não só em uma maior contingênciatributária (já que as empresas deverão levar em consideração também os tributos quepodem ser exigidos por responsabilidade solidária), mas também em um aumento doscontroles internos e de intercâmbio de informações com as autoridades fiscais. Nostermos da nova lei, as plataformas digitais deverão informar as operações e importaçõesrealizadas por seu intermédio, identificando o fornecedor, ainda que este não sejacontribuinte dos novos tributos (dado este que deverá ser repassado ao marketplacepelas autoridades fiscais).
Além disso, caso o processo de pagamento seja iniciado pela plataforma digital, estadeverá adaptar-se às regras do split payment (segregação e recolhimento do IBS e daCBS no momento da liquidação financeira da operação), nos termos da nova legislação.
Dentre as possíveis consequências do split payment para as plataformas digitais estãoos custos evidentes com a implementação dos sistemas adequados e também a brechapara que os marketplaces sejam responsabilizados pela eventual diferença entre o valordo IBS e da CBS recolhidos e aqueles devidos na operação.
Essa situação reflete o desalinhamento do sistema tributário com os setores daeconomia digital: por um lado, a estratégia legislativa visa mitigar a evasão fiscal efacilitar a atividade fiscalizatória, concentrando a responsabilidade na figura dointermediador do negócio; por outro, acaba por transferir o ônus da fiscalização e documprimento das obrigações tributárias aos marketplaces, sobrecarregando e onerandoo setor.
Nesse contexto, em que a discussão dos limites da responsabilidade dos marketplacesestá longe de acabar, é urgente que as plataformas digitais se atualizem das mudançaspromovidas pela reforma tributária, mapeiem os principais impactos em seu negócio ebusquem especialistas que os auxiliem a se preparar para as novas obrigações(principais e acessórias) que estão por vir.
* Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.