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Farmacêuticas estrangeiras recorreram ao Judiciário contra a medida e devem manter processos
O Ministério da Saúde voltou atrás e deixará de exigir o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) de empresas situadas no exterior que fornecem medicamentos – inclusive os de alto custo – e outros produtos ao Brasil. A mudança de postura tem como base parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
As retenções, como noticiou o Valor, começaram no início do segundo semestre a partir de um parecer da consultoria jurídica da pasta favorável à tributação. O novo entendimento gerou uma corrida das farmacêuticas à Justiça. Segundo especialistas, não há base legal para a retenção.
Apesar do foco das cobranças no Ministério da Saúde, havia um temor no mercado de a tributação se espraiar para remessas de pagamento de qualquer importação de bens ou serviços contratados pela administração pública.
Em nota ao Valor, o Ministério da Saúde “esclarece que não está mais retendo o IRRF dos pagamentos realizados”. E acrescenta: “Devido à complexidade do sistema tributário brasileiro, surgiram dúvidas da equipe técnica da pasta sobre o dever de retenção e recolhimento do imposto, no caso de pagamento a pessoa jurídica sediada ou domiciliada no exterior, em virtude do fornecimento dos insumos objeto de contrato com ente público”.
O Ministério se comprometeu ainda a devolver às empresas o que foi recolhido indevidamente. Diz, na nota, que consultou a Receita Federal sobre os procedimentos que o fornecedor estrangeiro ou seu representante no Brasil deve adotar para reaver ou compensar os valores retidos.
Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), afirma que pelo menos oito empresas sofreram cobranças indevidas. “O assunto está resolvido. Mas vamos monitorar”, diz.
A retenção do IR sobre as remessas de pagamento, na prática, gera um aumento de custo nos contratos, explicam advogados. A alíquota aplicada é de 15% ou de 25% caso o fornecedor esteja em paraíso fiscal.
Segundo advogados que representam farmacêuticas, além de impraticável pelo custo não previsto na fixação do preço do produto, a cobrança é ilegal.
No Ministério da Saúde, a retenção passou a ser feita com o aval de um parecer da consultoria jurídica da pasta, assinado em junho. Existia uma dúvida do Departamento de Logística em Saúde sobre a necessidade de recolhimento do imposto. O questionamento surgiu em contrato firmado com uma empresa da Irlanda para aquisição do Sofosbuvir, usado para hepatite C crônica.
A retenção vinha ocorrendo no momento do pagamento ao fornecedor. Passou a ser feita com base na Instrução Normativa (IN) nº 1.234, de 2012, da Receita Federal. O artigo 35, parágrafo 1º, estabelece que sobre o pagamento à pessoa jurídica domiciliada no exterior incidirá o IR na fonte a ser retido pelo órgão pagador.
As empresas acionaram o Judiciário por meio de mandados de segurança. Pelo menos quatro liminares foram concedidas para suspender a exigência. Nelas, a Justiça Federal em Brasília entendeu que a IN é fundamentada em lei que não trata de empresas domiciliadas no exterior, apenas das brasileiras.
Trata-se da Lei nº 9.430, de 1996, que no artigo 64 prevê que o IR, a CSLL, o PIS e a Cofins devem ser retidos na fonte sobre os pagamentos feitos pela administração pública a fornecedores de bens e serviços.
A mudança de posição do Ministério da Saúde veio a partir de um parecer da Coordenação-Geral de Assuntos Tributários da PGFN, que orienta todos os órgãos de governo sobre o tema.
No documento, a procuradoria aponta que “não há previsão legal que permita a incidência do IRRF sobre remessas ao exterior decorrentes da aquisição de mercadorias estrangeiras”.
Segundo o parecer, a regra prevista no artigo 35 da IN 1.234 “não incide em todas as situações de remessas ao exterior, restringindo-se aos casos em que essas estejam associadas a uma prestação de serviço”.
Com a mudança de posição do governo, advogados apontam alguns cenários, que dependerão de cada caso. Afirmam que as ações ajuizadas podem ser extintas se o único pedido foi para interromper a retenção.
Marcelo Roitman, sócio do PLKC Advogados, entende que se o pagamento ao fornecedor foi feito sem a retenção do IR por cumprimento de liminar, o processo deve continuar para confirmar o entendimento no mérito. O mesmo vale, de acordo com ele, para os casos em que também se discute a devolução dos valores cobrados indevidamente.
Os valores retidos, diz o advogado, são altos. “As empresas ainda precisam de decisão judicial para serem ressarcidas”, afirma Roitman.
Os processos devem tratar do momento da devolução e a forma, segundo Jorge Facure, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados. “Como as empresas que sofreram a retenção não estão no Brasil e não pagam imposto aqui, não seria possível, em princípio, compensar tais montantes retidos com tributos vincendos.”
Advogados não descartam, contudo, que o Ministério da Saúde restitua administrativamente os valores retidos ilegalmente. Roitman cita que isso poderia ser feito por complementação em pagamentos futuros.
De acordo com Facure, “por ora, ao menos até que seja operacionalizada a restituição dos valores retidos, que são expressivos, as ações podem prosseguir”.
POR BÁRBARA POMBO
FONTE: VALOR ECONÔMICO – 22/09/2023