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Fernanda C. Cepeda Del Nero. MP 1.303/20205: recuo no IOF, avanço nas restrições à compensação 18 de junho de 2025

Enquanto os holofotes se voltaram para a taxação das aplicações financeiras, tema mais midiático da MP nº 1.303/2025, um ponto menos comentado – mas de grande impacto – passou quase despercebido: a criação de novas restrições à compensação tributária.

Editada como medida compensatória ao pacote de alterações nas alíquotas do IOF, cujas alíquotas haviam sido majoradas recentemente, a MP trouxe mudanças significativas no campo tributário. Segundo o próprio governo[1], as novas regras devem gerar uma arrecadação adicional de aproximadamente R$ 10.5 bilhões ainda em 2025. E boa parte disso virá justamente da limitação ao direito de compensar tributos.

A medida incluiu duas novas hipóteses nas quais as compensações serão consideradas “não declaradas” pela Receita Federal:

  • Quando o crédito se baseia em documento de arrecadação “inexistente”; e
  • Quando o crédito de PIS/COFINS não tem “relação com a atividade econômica” do contribuinte.

 

A primeira hipótese se apresenta como medida eficaz no combate a fraudes. A segunda, no entanto, é genérica e abre espaço para interpretações subjetivas por parte do Fisco.

Afinal, o que significa, na prática, não guardar relação com a atividade econômica?

Uma interpretação possível, seria de que não seriam admitidos créditos referentes a itens e serviços que, aparentemente, não possuam ligação com a atividade principal da empresa como, por exemplo, se uma indústria automotiva tentar compensar créditos referentes a aquisições de produtos agrícolas, o que já foi objeto de questionamento do fisco em fiscalizações.

Outra possível interpretação seria, por exemplo, a glosa de créditos relativos à aquisição de insumos por empresas que atuam exclusivamente ou preponderantemente na atividade de revenda, o que é bastante preocupante, especialmente após o STJ ter dado adequada interpretação ao conceito de “insumos essenciais” às atividades das empresas, quando do julgamento do Tema n° 779.

Além da variedade de interpretações possíveis em relação à nova restrição criada, outras questões que surgem são: quem definirá o que guarda ou não essa relação? Isso pode ser feito unilateralmente pela fiscalização, sem direito do contribuinte a comprovar o contrário?

A nosso ver, esses questionamentos causam um cenário de expressiva insegurança jurídica, em especial por conta das consequências decorrentes de uma compensação ser considerada como “não declarada”, que podem ser assim resumidas:

  • A compensação é considerada “inexistente”, como se nunca tivesse sido feita, de modo que os débitos compensados serão cobrados do contribuinte, acrescidos de multa de mora (20%) e juros SELIC;
  • Não é possibilitada a defesa via Manifestação de Inconformidade, podendo o contribuinte se valer apenas do Recurso Hierárquico, medida que será julgada internamente no âmbito da Receita Federal, não sendo analisada pelas Delegacias Regionais de Julgamento e pelo CARF, além de não possuir efeito suspensivo e não ser considerado para fins de suspensão da exigibilidade do débito;
  • A impossibilidade de apresentação de defesa na via administrativa implica na necessidade de garantia do valor do exigido para possibilitar a discussão na esfera judicial;
  • Haverá aplicação de multa isolada de 75% sobre o valor do débito indevidamente compensado, por ser considerado como compensação não declarada[2];
  • Caso a Receita Federal entenda que a empresa atuou com dolo, fraude ou simulação, a multa aplicada será de 150%. Nesta mesma hipótese, também pode ser lavrada representação fiscal contra a empresa, incluindo a responsabilização penal dos sócios administradores.

 

Logo, embora a justificativa apresentada pelo Governo para a instituição das novas regras seja “reforçar o combate a fraudes tributárias”, parecendo uma simples medida de combate à evasão fiscal, o fato é que a deficiência na redação da norma – que deixa brechas para diversas interpretações – gera na realidade um cenário de preocupação e insegurança jurídica.

Assim, nos parece que essa nova restrição imposta pela MP – em especial caso seja mantida quando e se houver a conversão da medida em Lei – poderá levar diversos contribuintes a judicializar a questão.

[1] Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9973021&ts=1749755801647&disposition=inline.

Acesso em: 12/06/25.

[2] Art. 18, §4º, da Lei 10.833/03 c/c art. 44, I, da Lei 9.430/96 e com o §1° do art. 75 da IN n° 2.055/21.