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Qualquer mudança que possa impactar a capacidade desses fundos pagarem rendimentos mensais aos investidores afeta diretamente o valor das cotas.
Uma recente decisão da Comissão de Valores Mobiliários sobre a forma de distribuição de rendimentos de “FII” – Fundos Imobiliários tem provocado uma grande reação neste mercado. É importante notar que os FIIs possuem grande relevância no Brasil, porque se trata de um investimento rentável e largamente oferecido a pessoas físicas, bem como são um importante instrumento de captação de recursos para os empreendedores, de tal maneira que alterações que tornem este tipo de investimento menos atraente podem causar indesejáveis impactos no mercado imobiliário.
Nota-se ainda que os FIIs normalmente são adquiridos por investidores pessoas físicas como forma de incrementar a renda mensal, sendo este um dos motivos mais determinantes para que os investidores optem por adquirir suas cotas. É natural que qualquer mudança que possa impactar a capacidade dos FIIs de pagarem rendimentos mensais aos investidores afeta diretamente o valor das cotas.
A controvérsia gerada pela CVM diz respeito à forma de cálculo e regime aplicável aos lucros destes fundos. A lei 8.688, que regula o tema desde 1993, dispõe que os FII estão obrigados a distribuir semestralmente, no mínimo, 95% dos lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa. Este regime implica que devem ser consideradas na distribuição as receitas e despesas efetivamente recebidas e pagas no período, independentemente do período a que competem contabilmente.
Uma interpretação da CVM de 2014 determinava que os administradores dos fundos devem partir do resultado contábil (lucro ou prejuízo) apurado pelo regime de competência. Contudo, referida interpretação também previa que o lucro contábil deveria ser ajustado pelos efeitos das receitas/despesas contabilizadas e ainda não recebidas/pagas no mesmo período de apuração, gerando-se o efeito “caixa” previsto na lei.
Ocorre que, na recente decisão, emitida na reunião 51/21, a CVM, analisando recurso de administrador de um FII específico, concluiu que, caso o valor a ser distribuído pelo FII, calculado com base no regime de caixa, seja superior ao montante do lucro do exercício adicionado dos lucros acumulados (e/ou reservas de lucro) do exercício anterior, o montante distribuído em excesso deve ser tratado contabilmente como amortização de cotas ou devolução de capital.
Esta decisão gerou grande preocupação no mercado, porque os administradores dos FIIs frequentemente fazem revisão, a valor justo, dos ativos do fundo (imóveis). Estes ajustes contábeis tem como função demonstrar ao investidor o real valor de mercado dos imóveis, oferecendo um panorama mais detalhado das perspectivas do fundo, permitindo-se, assim, a identificação do real potencial de valorização das cotas.
Neste contexto, os ajustes a valor justo podem se refletir em despesas no período, em caso de desvalorização do imóvel avaliado, as quais somente causarão impacto no caixa no momento da realização do ativo. Como a lei exige que os fundos distribuam os dividendos com base em regime de caixa, a nova interpretação da CVM pode gerar uma limitação ilegal na possibilidade de distribuição destes resultados.
É importante notar, contudo, que a decisão da CVM não foi unanime. A posição vencida concordou com a argumentação do administrador do FII, de que a Lei Federal que trata do tema não contém nenhuma ressalva condicionando a distribuição dos rendimentos a existência de lucros contábeis apurados pelo regime de competência.
Adicionalmente, a posição divergente conclui que a prática é largamente adotada pelo mercado e que a modificação desta regra poderia comprometer o desenvolvimento da indústria de FIIs, além de gerar uma chamada “assimetria de informações”. Isso porque haveria um desincentivo a que os FIIs procedessem à avaliação de seus ativos a Valor Justo, prejudicando o acesso à informação pelos investidores.
Embora a decisão, tecnicamente, somente se aplique ao FII envolvido no processo em que proferida a decisão, a CVM já divulgou Nota de Esclarecimento informando que o mesmo critério pode se aplicar a outros fundos que adotem a mesma prática.
Tendo em vista que a legislação federal que trata do tema adotou a definição de “lucros apurados pelo regime de caixa”, a natureza jurídica da distribuição seria de lucro, viola a lei a determinação de que os FIIs devem redefinir evento como uma devolução de capital ou amortização.
Ainda cabe pedido de reconsideração da decisão, mas, tendo em vista que a interpretação da CVM potencialmente viola a lei Federal, hierarquicamente superior, há uma possibilidade de que o tema venha a ser judicializado no futuro.
*Artigo publicado originalmente no Migalhas.