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Com o objetivo de se tornar membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil adotou as regras de preços de transferência (transfer pricing) indicadas pelo órgão internacional. As novas regras estão previstas na Lei nº 14.596/2023 e entram em vigor obrigatoriamente em 2024 e facultativamente em 2023.
Em resumo e essencialmente na visão da OCDE e de seus países-membros, o transfer pricing objetiva que as operações realizadas entre partes relacionadas utilizem preços de mercado e, mais do que isso, que a riqueza gerada por várias entidades ao longo de uma cadeia internacional seja apropriada (e tributada) de acordo com as funções, ativos e riscos individualmente assumidos. Quando há divergência entre o preço praticado pelas partes relacionadas e o preço de mercado, é necessária a realização de ajustes.
No modelo brasileiro vigente até a entrada das novas regras (Seção V da Lei nº 9.430/1996), o efeito desses ajustes é exclusiva e necessariamente aumentar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Isto é, caso uma empresa brasileira, p.ex., importe um produto de sua matriz no exterior por um valor considerado maior que o devido pelas margens fixas da Lei nº 9.430/1996, essa diferença será tributada pelo IRPJ e pela CSLL, independentemente desse preço corresponder à prática de mercado ou ser justo do ponto de vista das funções, ativos e riscos individualmente assumidos.
O novo modelo de transfer pricing altera completamente a prática até então adotada e deve, por isso, ensejar a revisão das operações intercompany, essencialmente para mapear se a riqueza apropriada por cada entidade integrante de um grupo multinacional está de acordo com as funções, ativos e riscos assumidos e, caso não estejam, avaliar a manutenção das operações e/ou de seus valores em comparação com o efeito de eventual ajuste de transfer pricing.
Além disso, no novo modelo, existe a possibilidade de realizar “ajustes compensatórios”, através do qual as partes envolvidas na operação sujeita ao transfer pricing poderão alterar o valor da transação, a fim de evitar a necessidade do ajuste (adição) na apuração do IRPJ e da CSLL (chamado de ‘ajuste espontâneo’). De acordo com a regulamentação trazida pela Receita Federal do Brasil (Instrução Normativa nº 2.161/2023), o ‘ajuste compensatório’ deve ser respaldado pela emissão de notas de débito, crédito ou de documentação fiscal e comercial.
A Instrução Normativa nº 2.161/2023 também prevê que “a realização de ajustes espontâneos ou compensatórios não implicará automaticamente a realização de ajustes na base de cálculo de outros tributos, inclusive os incidentes na importação de bens e serviços”. Essa previsão genérica, especialmente pela utilização do termo “automaticamente”, por poder significar que a geração de efeitos em outros tributos depende de cada caso/tributo, faz surgir uma série de questionamentos, tais como:
❯ os tributos apurados com base no preço inicial (PIS-Importação, Cofins-Importação, II, IPI, ICMS, IRRF, CIDE) deverão/poderão ser recalculados, gerando, por consequência, valores a recolher ou a recuperar?
❯ é necessário algum procedimento para tanto (retificação da declaração de importação, p.ex.)?
❯ o valor recebido ou pago terá natureza comercial/operacional ou financeira para fins tributários?
Considerando que a influência dos ajustes de transfer pricing em outros tributos não consta da Lei nº 14.596/2023, inclusive, em seu art. 1º, há menção expressa e exclusiva apenas ao IRPJ e à CSLL, a eventual exigência de complemento de tributo poderá gerar questionamentos tanto no âmbito administrativo quanto no judicial. Igualmente, caso o contribuinte recolha tributos sobre o valor de uma operação que seja reduzido posteriormente, deverá ser avaliado se existe o direito de recuperar os indébitos tributários decorrentes.
Tendo em vista esse cenário de incertezas quanto aos possíveis reflexos dos ajustes de transfer pricing em outros tributos, essencialmente pela realização dos “ajustes compensatórios”, é importante que as empresas avaliem suas operações intercompany antes da entrada em vigor da Lei nº 14.596/2023, a fim de evitar maiores questionamentos pela autoridade fiscal ou de gerar oportunidades na redução do recolhimento dos tributos aqui no Brasil.