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Os planos de remuneração com ações são largamente utilizados pelas grandes empresas para a atração e retenção de executivos e empregados de alto escalão. Essa política de RH dirige a motivação dos colaboradores para os resultados em médio e longo prazos da empresa, desencorajando comportamentos oportunistas, maximizado a retenção de talentos e proporcionando altos níveis de desempenho.
Entre os modelos de remuneração com ações existentes, o mais comum é a concessão de opções de compra de ações da companhia (stock options). Por esse plano, o beneficiário é agraciado com opções de compra de ações da companhia, cujo exercício somente poderá ser exercido após um prazo predeterminado (vesting period) e desde que o funcionário se mantenha nos quadros da empresa por esse período.
A crescente utilização desse instrumento, aliada à falta de uma legislação específica que venha a garantir assertividade acerca de sua natureza jurídica, acaba por intensificar litígios tributários.
De um lado, a Receita Federal do Brasil possui o entendimento de que os planos de stock options possuem natureza jurídica remuneratória. Do outro, os contribuintes reiteram seu posicionamento de que esses planos são de natureza mercantil e, portanto, não deveriam compor a base de incidência de contribuições previdenciárias e estariam sujeitos à tributação do IRPF pelo regime do ganho de capital.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) possui o entendimento de que os planos de stock options possuem natureza mercantil, em sua essência. Todavia, é necessário que estejam evidentes os elementos que caracterizam tal natureza, como a voluntariedade, a onerosidade e o risco envolvido.
Para que esses três requisitos sejam atendidos, o plano deverá ser voluntário, ou seja, apenas o colaborador/executivo que for elegível e tiver interesse em aderir estará vinculado; gerar um efetivo desembolso financeiro, que não seja meramente simbólico, para a compra das ações por parte do beneficiário; e prever que, entre as datas de vesting e grant (concessão), o beneficiário deve estar sujeito às oscilações do preço das ações, da mesma forma que uma pessoa que viesse a comprar as ações diretamente pelo balcão da bolsa estaria sujeita, restando configurado o risco na operação.
Nota-se, assim, que, para o Carf, a caracterização da natureza remuneratória dos stock options decorre de uma análise de cada caso concreto. Caso os elementos acima mencionados não se encontrem presentes e evidentes, o tribunal administrativo vem, historicamente, aplicando decisões reconhecendo sua natureza como remuneratória, resultando na tributação para fins das contribuições previdenciárias, bem como na tributação pelo IRPF via tabela progressiva, ao invés do regime do ganho de capital.
Em meados de novembro de 2021, o Carf finalizou, de maneira favorável ao contribuinte, o julgamento do Processo Administrativo nº 10880.734908/2018-43, afastando a cobrança de IRPF de contribuinte pessoa física que teve outorgada opções de compras das ações da empresa à qual estava ligado anteriormente.
À época, muito se afirmou que o julgamento em questão era representativo, tendo em vista que se opunha à corrente jurisprudencial mais adotada pelo Carf. Ocorre que, na realidade, o julgamento não foi tão inovador porque, para aferir se as autoridades fiscais estavam corretas na exigência do IRPF, os conselheiros mais uma vez se socorreram da análise dos critérios e condições do plano.
Em referido caso, restou decidido que a cobrança teria de ter apresentado elementos claros de distorção do plano ofertado. O próprio voto proferido no julgamento do Processo Administrativo nº 10880.734908/2018-43 — aqui discutido — encontra-se fundamentado neste sentido, reiterando que a jurisprudência do tribunal administrativo se formou no sentido de que é necessária a análise da natureza jurídica dos planos com base nos critérios acima destacados.
Logo, a sessão realizada em novembro passado não representa uma inovação, tampouco se torna emblemática no cenário jurisprudencial do tribunal, visto que a síntese do acórdão se pauta exatamente pela análise dos mesmos três critérios anteriormente mencionados.
Adicionalmente, é válido pontuar que, para surpresa da maioria, apenas foi possível o julgamento ter seu desfecho favorável em vista do polêmico artigo 28 da Lei nº 13.998/2020, que alterou o regime do voto de qualidade no Carf. Assim, considerando o empate entre os representantes da Fazenda e os dos contribuintes, que decorreu basicamente da discordância de interpretação sobre as características do plano de ações em questão, restou julgado o processo finalmente de forma favorável aos contribuintes.
É certo que esse processo indica uma vitória para os contribuintes. Porém, parece-nos evidente que ele não trouxe qualquer alteração no cenário jurisprudencial administrativo. Pelo contrário, apenas reforçou ainda mais a necessidade de se analisar os critérios que já vêm sendo avaliados para a caracterização da natureza jurídica dos planos de stock options.
Dessa maneira, é imprescindível que as empresas façam uma análise criteriosa e individualizada de seus planos de stock options, conferindo-lhes características de voluntariedade, onerosidade e risco, mitigando as chances de questionamentos tanto sob a ótica tributária quanto previdenciária.
*Artigo publicado originalmente no ConJur.