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Marcela Rodrigues Adari Camargo O parecer Cosit 10 e seu conteúdo antijurídico 27 de agosto de 2021

Em resposta à consulta interna formulada pela Receita Federal do Brasil (RFB) à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), na forma do artigo 8º da Portaria RFB 1.936/2018, nesta terça-feira (24/8), foi veiculado o Parecer Cosit 10, datado de 1º de julho deste ano, que versa sobre a exclusão do ICMS na base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins. Apesar da grande repercussão do referido parecer, é preciso mencionar que se trata de entendimento sem efeitos vinculantes aos contribuintes.

Em sede da manifestação formulada, a RFB expressa seu entendimento quanto ao recente julgamento dos embargos de declaração opostos no Recurso Extraordinário 574.706 (Tema 69 da repercussão geral), a partir do qual extrai uma conclusão equivocada quanto aos impactos relativos à apuração dos respectivos créditos do regime não cumulativo.

Em que pese o RE 574.706 não tenha se debruçado sobre os créditos do PIS e da Cofins, mas apenas dos débitos, a RFB menciona o voto da ministra relatora Cármen Lucia que concluiu que o ICMS representa mera receita transitória das empresas, sendo destinado aos cofres públicos, portanto, não sujeitos à incidência das contribuições sociais. A partir disso, a RFB vincula essa acepção às Leis 10.833/2003 e 10.637/2002, especificamente quanto ao §2º do artigo 3º, que versa sobre o afastamento do direito ao crédito na aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento das contribuições.

A RFB afirma, resumidamente, que deve ser efetuada a exclusão do valor do ICMS destacado na nota fiscal de aquisição quando da apuração dos respectivos créditos, tendo em vista que o valor do ICMS destacado na nota fiscal não integraria o preço/valor do produto. Além disso, também conforme seu entendimento, aduz que a não cumulatividade do PIS e da Cofins é obtida a partir do sistema de “base contra base”, logo, uma vez excluído o ICMS da base dos débitos, haveria que se excluir também da base dos créditos, apelando, ainda, para o princípio da razoabilidade.

Conforme mencionado, o entendimento da RFB baseia-se em uma série de premissas equivocadas, a começar pela própria interpretação desvirtuada da não cumulatividade do PIS e da Cofins, passando pela completa ausência de relação do julgamento do RE 574.706 com o tema dos créditos, e também pelo fato de que tal entendimento em nada contribui para a preservação do princípio de não cumulatividade no sistema “base contra base”.

Justamente pelo fato de adotar o sistema “base contra base”, sua sistemática permite que um contribuinte sujeito ao regime não cumulativo aproveite os créditos à razão de 9,25%, ainda que o seu fornecedor esteja vinculado ao regime cumulativo e tenha pagado apenas 3,65%, ou, ainda, quando sujeito ao regime do Simples Nacional. Bem diferente da não cumulatividade lastreada na mecânica “imposto contra imposto”, adotada, por exemplo, no ICMS, em que o imposto pago na etapa anterior é o exato valor do crédito a ser apropriado na etapa posterior da cadeia produtiva.

Corroborando com a exegese, a previsão dos §1º dos artigos 3º das Leis 10.833/2003 e 10.637/2002 autoriza a apropriação dos créditos a partir da aplicação das alíquotas sobre o valor dos itens mencionados no caput, sumariamente relativos aos bens adquiridos para revenda e bens e serviços utilizados como insumos na fabricação de produtos destinados à venda (incisos I e II).

Veja que o legislador não utilizou o termo “custo”, permitindo que o contribuinte prestigiasse a não cumulatividade do PIS e da Cofins a partir da aplicação dos percentuais sobre o “valor da aquisição”, o qual abarca todo e qualquer desencaixe financeiro despendido pelo adquirente para a obtenção do bem, assim abrangidos os tributos incidentes na operação de venda, inclusive os recuperáveis, como é o caso do ICMS.

Para fins de ratificar o entendimento acerca do conceito de “valor”, a RFB se norteava pela Instrução Normativa SRF 404/2004 que, em seu artigo 8º, previa expressamente que o ICMS integra o valor de aquisição de bens e serviços, de modo a ser considerado na base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins.

Contudo, com a publicação da Instrução Normativa RFB 1.911/2019, a RFB acabou por não reproduzir o mesmo dispositivo, dispondo apenas acerca da inclusão: 1) do seguro e frete pagos na aquisição quando suportados pelo comprador; e 2) do IPI quando não recuperável (este último em linha com a antiga IN 404/04).

Embora a alteração na IN pudesse indicar uma tentativa futura de sabotar o crédito sobre o ICMS, sob a ótica jurídica, essa alteração não produziu quaisquer efeitos práticos, já que, de fato, ela suprimiu algo que, de tão óbvio, nem precisaria estar expressamente mencionado, na medida em que o “valor de aquisição” certamente abrange tributos tal qual o ICMS em questão.

Ocorre que o STF não analisou o tema referente à base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins, tendo em vista que essa questão não foi trazida à baila da ação. À época, inclusive, a interpretação da RFB era assente acerca da inclusão do ICMS na composição do “valor de aquisição” para fins de cálculo dos créditos, o que evidencia que a mudança de entendimento veio como medida para suavizar os impactos econômicos do julgamento do Tema 69.

Assim, diante do fato de que o Parecer Cosit 10/2021 não é vinculante aos contribuintes, e muito embora possa dar a entender que se abriria uma nova etapa da discussão da exclusão do ICMS destacado nas notas fiscais de venda, na base do PIS e da Cofins, é muito importante que cada contribuinte faça criteriosa avaliação do caso, já que a antecipação de discussões no Judiciário, por exemplo, pode ter reflexos negativos, tais como antecipar uma situação que talvez não venha a ocorrer, inviabilizando, por conseguinte, toda a discussão dessa questão em esfera administrativa.

Reiteramos nosso entendimento no sentido de que o referido parecer revela entendimentos antijurídicos que, caso venham a ser enfrentados nos tribunais, não devem prevalecer, e destacamos, outrossim, pelo fato de que tal parecer não vincula a autoridade fazendária administrativa, a necessidade de extrema cautela e acompanhamento minucioso da eventual evolução (futuras publicações de soluções de consulta vinculantes, eventuais alterações na legislação infra legal) de mais essa tentativa de solapar um direito tão profundamente discutido, ao longo de tantos anos, pelos contribuintes que, de maneira diligente, recorreram de forma técnica ao Poder Judiciário.

 

*Artigo postado originalmente no ConJur.