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Supremo chancela a liberdade dos contribuintes de realizar atividades da forma menos onerosa, podendo adotar procedimentos lícitos que busquem reduzir o impacto dos tributos em seus negócios
A Constituição Federal, por meio dos princípios da livre iniciativa privada e da livre concorrência (arts. 1º, IV, e 170 da CF/88), assegura o direito do cidadão à liberdade de se auto-organizar e de gerir suas atividades da forma como considerar mais eficaz. Além dos referidos princípios, no campo tributário, a Constituição Federal também assegura aos contribuintes o direito à vedação ao confisco, respeito a capacidade contributiva, proporcionalidade e observância da legalidade estrita.
Os referidos princípios destacam-se, portanto, como valores norteadores do exercício do planejamento tributário. Tais asseguram a liberdade que o cidadão possui na condução de suas atividades econômicas e empresariais, inclusive na busca do menor impacto tributário possível.
Além dos preceitos constitucionais, tanto o Código Civil brasileiro (art. 1.011) quanto a Lei das Sociedades Anônimas (lei 6.404/76 – arts. 153 e 154) preveem a obrigatoriedade dos administradores de adoção das medidas mais benéficas paras as empresas.
Por tal motivo, como leciona Mary Elbe Queiroz, antes de ser um direito, uma faculdade, o planejamento tributário deve ser visto quase como uma obrigatoriedade para todo administrador, sob pena de estar descumprindo deveres legais1.
Objetivando regulamentar os limites do planejamento tributário, o legislador introduziu no ordenamento jurídico a norma prevista no parágrafo único do art. 116 do CTN, a qual foi inserida pela lei complementar (LC) 104/01, permitindo a desconsideração dos negócios jurídicos tributários celebrados quando estes buscarem a dissimulação do fator gerador da obrigação tributária pelo contribuinte.
A plena eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer procedimentos a serem seguidos, contudo, até o presente momento, não há regulamentação própria vigente.
Todo esse cenário trouxe aos contribuintes questionamentos e dúvidas sobre os limites dos planejamentos tributários à luz da aplicação deste novo dispositivo do CTN, causando o receio de que tal norma indevidamente limitasse o seu direito constitucional de se organizar da forma mais benéfica possível, sempre se pautando em atos e operações lícitos.
Por tal motivo, a Confederação Nacional do Comércio ajuizou a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIn) 2.446, que tem como objeto a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da LC 104/01 (que inseriu o parágrafo único do art. 116 do CTN), sob o fundamento de que tal dispositivo feriu os princípios constitucionais da legalidade, da tipicidade e da separação de poderes.
Em junho de 2020, teve início o julgamento da referida ADIn pelo STF. Após o voto da ministra Cármen Lúcia (Relatora), outros quatro ministros acompanharam tal entendimento (Marco Aurélio Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes), julgando improcedentes os pedidos formulados na ADIn, tendo o julgamento sido interrompido pelo pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski.
Com 5 votos contrários aos pedidos da CNC (faltando apenas um voto para formar maioria no Plenário do STF), em uma leitura apressada apenas do resultado do julgamento, ter-se-ia a sensação de que os contribuintes saíram derrotados na discussão.
Ocorre que, em uma análise atenta do voto da Ministra Relatora (acompanhado pelos demais até o presente momento), o que se observa é totalmente o inverso, tendo havido a fixação de importantes balizas no tema de planejamento tributário.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia defendeu a constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN. No entanto, de maneira favorável aos contribuintes, sustentou o direito constitucional à adoção de comportamentos lícitos pelos contribuintes que visem a economia tributária.
Segundo a ministra, o contribuinte tem legitimidade de buscar a redução da carga tributária, desde que realizada dentro dos parâmetros da legalidade, destacando que: “(…) a norma não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal”.
Em observância aos princípios e previsões constitucionais e legais mencionados no início deste artigo, o STF chancela a liberdade dos contribuintes de realizar as suas atividades da forma menos onerosa, podendo, assim, adotar procedimentos lícitos que busquem reduzir o impacto dos tributos em seus negócios.
A Ministra é clara ao limitar significativamente o campo de aplicação da desconsideração dos atos ou negócios jurídicos praticados, “(…) não estando autorizado o agente fiscal a valer-se de analogia para definir fato gerador”.
Tal conclusão é embasada na distinção doutrinária entre elisão e evasão tributária. A primeira, segundo a Ministra, reside no campo da licitude (que visa evitar a ocorrência do fato gerador) e a segunda se trata de um ato ilícito (que visa acobertar, de forma ilícita, o fato gerador ocorrido).
Com base na decisão do STF que aparenta ser a corrente vencedora do referido julgamento, a desconsideração autorizada pelo dispositivo em comento, desde que após a sua devida regulamentação por lei ordinária, restringe-se aos atos ou negócios jurídicos praticados com intenção de dissimulação ou ocultar a ocorrência do fato gerador dos tributos. Assim, apenas nas situações em que estejam presentes atos ilícitos objetivando encobrir a realidade dos fatos (dissimulação), tais serão aptas a serem invalidadas.
O voto em questão traz importantes diretrizes para a aplicação do parágrafo único do art. 116 do CTN pelo legislador (quando houver a regulamentação do dispositivo) e pelo fisco.
O entendimento que vem sendo firmado pelo Plenário do STF fulmina a corrente doutrinária e fiscalista que se utiliza de figuras oriundas de outros sistemas jurídicos (sem arrimo na legislação pátria), entendendo ser possível a desconsideração dos planejamentos tributários que busquem apenas a economia fiscal, por tal se configurar como abuso de direito ou ato sem propósito negocial.
Diante do exposto, em se confirmando a maioria de votos no STF no julgamento da ADIn alinhado ao entendimento do voto da ministra Cármen Lúcia, conclui-se que (I) resta reafirmado o direito (e dever) constitucional e legal dos contribuintes a realização de planejamentos tributários lícitos buscando se sujeitar a uma menor carga tributária, (II) a futura regulamentação do art. 116 do CTN deverá respeitar as balizas fixadas pelo STF e apenas desconsiderar os atos e negócios jurídicos realizados com uso de dissimulação para ocultação do fato gerador dos tributos, (III) as eventuais autuações fiscais embasadas exclusivamente no intuito do contribuinte à economia fiscal com uso de teorias não recepcionadas pelo sistema jurídico pátrio deverão ser canceladas, por estarem em confronto com o entendimento do Plenário do STF.
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1 QUEIROZ, Mary Elbe. Planejamento Tributário: Procedimentos Lícitos, o Abuso, a Fraude e a Simulação. Uma proposta de NGAA para o Brasil. In: RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe; CAVALCANTE, Denise Lucena et GRUPENMACHER, Betina Treiger. Novos Horizontes da Tributação: um Diálogo Luso-Brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 385.
*Artigo postado originalmente no Migalhas.