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Antes do lance, é preciso entender o processo, mapear dívidas e avaliar a viabilidade da posse do imóvel.
A arrematação de imóveis em leilões judiciais ganhou popularidade nos últimos anos, especialmente como uma forma de investimento. E o motivo é simples: como os leilões permitem a aquisição de imóveis abaixo do seu preço de mercado, podendo chegar até a metade do valor de avaliação, a rentabilidade é alta.
Entretanto, é senso comum que essa rentabilidade vem acompanhada de riscos. Na maioria dos casos, os imóveis alienados em leilão são bens estressados, com problemas acessórios que poderão ser assumidos ou terão de ser solucionados pelo arrematante. Logo, as complicações são quase uma constante e, paradoxalmente, são parte daquilo que torna a arrematação em leilões uma atividade potencialmente lucrativa. Afinal, quanto mais problemas, menor tende a ser o número de pessoas interessadas na aquisição e, por consequência, maior pode ser a margem de lucro. Assim, se o interessado tem condições de mapear todos os riscos e custos da operação, será capaz de identificar o valor do lance que resultará em uma arrematação vantajosa.
Na grande maioria dos casos, os problemas vinculados ao imóvel leiloado estão ocultos. Assim, é comum que os interessados, seduzidos pela possibilidade de adquirir um bem pela metade do preço, se aventurem em operações que apenas resultarão em desgaste e prejuízo financeiro. Isso não quer dizer que a arrematação em leilões depende da identificação do “imóvel perfeito”, mas sim da consciência sobre os óbices que acompanham o bem e da viabilidade (ou não) de solucioná-los. Somente quem tem essa clareza é capaz de encontrar boas oportunidades de negócio em meio a inúmeros leilões problemáticos.
Nesse contexto, não é exagero concluir que arrematar imóveis em leilão é como procurar uma agulha no palheiro – uma atividade que é trabalhosa, demorada e que, sem a devida orientação, tende a ser frustrada. Esses potenciais obstáculos iniciam antes mesmo da divulgação do leilão do imóvel. O arrematante enfrentará um conflito velado com um personagem que, quase sempre, apenas quer prejudicar a alienação: o devedor.
É comum que o devedor faça (ou deixe de fazer) tudo que estiver ao seu alcance para que a alienação de seu imóvel não seja adequada, impugnando toda espécie de ocorrência no processo judicial que originou o leilão ou se furtando das intimações necessárias. Por isso, a primeira preocupação de quem pretende arrematar um imóvel é verificar a regularidade da ação que originou aquele leilão. Essa análise busca identificar eventuais vícios no procedimento, a existência de recursos pendentes de julgamento ou até mesmo a existência de outras ações, ajuizadas por terceiros, discutindo a posse ou propriedade sobre o imóvel.
Afinal, não é raro que, na ânsia de ver o imóvel penhorado transformado em dinheiro, credores e Judiciário acabem superando indevidamente algumas formalidades essenciais exigidas por lei – o que, se verificado pelo devedor, pode causar a nulidade do leilão, como é o caso da ausência de intimação sobre a penhora, por exemplo.
Aliado à análise da ação judicial, é indispensável realizar um exame minucioso sobre o histórico da matrícula do imóvel. Isso permitirá confirmar a propriedade do devedor sobre o bem, a existência de terceiros interessados (como credores hipotecários) e outros débitos gravando o imóvel.
Vencida essa etapa, o edital do leilão passa a ser o documento mais importante a ser apreciado, vez que apresentará todas as regras do jogo: condições de pagamento, preço mínimo, comissão do leiloeiro, a responsabilidade sobre as dívidas do imóvel e, até mesmo, a confirmação do que está sendo vendido.
Essa ressalva final é importante uma vez que nem sempre o leilão envolve a propriedade plena do imóvel. Em muitos casos, o que se vende são apenas direitos aquisitivos, apartamentos sem a vaga de garagem, partes ideais ou até mesmo bens gravados com usufruto a terceiros, fatores que impactam diretamente na definição do investimento.
As dívidas que acompanham o bem também não podem ser ignoradas (IPTU e, principalmente, taxas de condomínio), já que, embora a lei determine que esses débitos não poderão ser repassados ao arrematante (art. 908, § 1º, do CPC), por muitas vezes, os editais superam essa norma. Ainda que a impossibilidade de responsabilização do arrematante pelas dívidas tributárias tenha sido solucionada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (no Tema 1134), as dívidas de condomínio ainda podem ser assumidas pelo arrematante, desde que assim conste no edital.
Importante frisar que essas informações dificilmente estarão claras no anúncio do leilão. Compreender exatamente o que está sendo arrematado, os débitos do imóvel e o que será necessário para o seu posterior desembaraço (como, por exemplo, verificar se o bem está ocupado ou locado) são riscos assumidos pelo arrematante que, após o lance vencedor, não poderá mais se arrepender da aquisição sem o pagamento de multa.
E mesmo depois da arrematação, o caminho exige atenção. O arrematante ainda precisará lidar com a morosidade do Poder Judiciário e com a burocracia dos Registros de Imóveis para providenciar a expedição de carta de arrematação, registro da arrematação na matrícula do bem e mandado de imissão na posse (ou, eventualmente, até mesmo o manejo de Ação de Despejo). O tempo para a concretização dessas providências até que o imóvel esteja disponível dependerá diretamente da atuação do arrematante para agilizar essas providências perante juízo e solucionar eventuais e prováveis exigências registrais – aqui, principalmente, relacionadas com problemas na cadeia de registro.
A partir disso, conhecendo o caminho e suas potenciais dificuldades, além do preço de aquisição do imóvel, na hora de definir o seu lance o arrematante também deverá considerar no seu investimento a comissão do leiloeiro (que, em regra, varia entre 4% e 6% sobre o valor de arrematação), a incidência de ITBI, as custas de cartório, despesas processuais e ainda, para os casos em que houver a revenda do imóvel, o futuro imposto de renda que será devido (ganho de capital).
Quanto mais preparado e assessorado estiver o arrematante, mais consciente e lucrativo será o lance a ser apresentado. Para essas providências prévias e posteriores à arrematação, o acompanhamento de assessoria jurídica especializada é fundamental para transformar uma operação arriscada em boa oportunidade de negócio.
Portanto, a verdade é que, até para encontrar uma agulha no palheiro, é melhor não estar sozinho.
Artigo publicado originalmente no Monitor Mercantil.