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Texto abre brecha para ampliar base de tributação para encargos trabalhistas. Relator avalia fazer alterações no projeto
RIO e BRASÍLIA — Advogados tributaristas estão trabalhando para alterar um trecho da proposta de reforma da Previdência que pode aumentar os encargos trabalhistas recolhidos pelas empresas, taxando todo pagamento feito aos funcionários, o que se traduziria em ameaça a empregos com carteira assinada e também aos benefícios oferecidos pelas companhias a seus colaboradores.
Para se ter uma ideia do impacto, pesquisa da Aon, corretora de seguros e especializada em gerenciamento de riscos, mostra que 536 empresas instaladas no Brasil, com 2,1 milhões de funcionários — sendo 75% delas com faturamento anual superior a R$ 100 milhões —, disponibilizam uma gama de benefícios aos empregados. A maioria (99,8%) oferece assistência médica; 79,6% dão vale-refeição; 56%, previdência complementar; e 45,4%, auxílio na área de educação.
O relator da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), diz que pode mudar esse trecho da proposta.
O Ministério da Economia, por sua vez, afirmou, por meio de nota, que a proposta da reforma “não amplia a base de cálculo de tributos”, frisando ainda que “o entendimento é que apenas a remuneração pelo trabalho (salário) será considerada base de cálculo da contribuição, independentemente da natureza do pagamento (de qualquer natureza)”. E que as verbas listadas na Lei 8.212/1991 estão excetuadas da incidência de contribuição.
Plano de saúde e bolsa escola
Atualmente, a contribuição do empregador é calculada sobre o salário, os pagamentos destinados a retribuir o trabalho. Está excluída de tributação uma lista de pagamentos e benefícios listados na lei de custeio da Previdência, de nº 8.212 de 1991. Entre eles estão férias e abono de férias, valores correspondentes a transporte e alimentação, assistência de saúde e odontológica, bolsas de estudo, prêmios e abonos.
O Ministério da Economia sustenta, em paralelo, que a PEC da Previdência ratifica a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), combatendo “simulações” usadas para burlar a tributação. A pasta argumenta que a jurisprudência “construiu raciocínios variados e infundados sobre verbas supostamente indenizatórias, o que fomentou dissimulações, como salários reduzidos artificialmente e pagamentos por supostas indenizações e abonos”.
Num esforço para barrar a mudança, como noticiou o Valor Econômico, o presidente da Associação Brasileira de Advogados Tributaristas (Abat), Halley Henares Neto, esteve com Samuel Moreira na semana passada, para pedir que o tema seja discutido na Comissão Especial.
— É algo que vai na contramão do que propõe o governo, que seria desonerar a folha de pagamento das empresas para impulsionar a geração de empregos. Como está proposto agora, reduziria a empregabilidade e desestimularia a concessão de benefícios aos trabalhadores. A redação precisa ser clara — destaca Henares Neto.
Ele esteve ainda com o assessor do deputado Diego Andrade (PSD-MG), que propôs uma emenda a esse trecho do projeto da reforma da Previdência, e com o deputado João Roma (PRB-BA), relator da reforma tributária na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania.
— O que consta no projeto vai além do aumento da alíquota, ampliando a base de cálculo do imposto previdenciário. A redação proposta poderá estimular a terceirização, reduzindo vagas com carteira de trabalho assinada — avalia Caio Taniguchi, sócio da área previdenciária do Bichara Advogados.
Alíquota sobre a folha chegaria a 33%
Para os tributaristas, a redação do texto precisa deixar claro o que fica de fora da tributação. Os questionamentos surgiram por conta do trecho da PEC da reforma da Previdência que altera da alínea “a” do inciso I do artigo 195 da Constituição, estabelecendo que a contribuição das empresas será definida sobre “a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos, devidos ou creditados, a qualquer título e de qualquer natureza, salvo exceções previstas em lei, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”. É a inclusão do termo “de qualquer natureza” que está no centro da discussão.
Gerson Stocco de Siqueira, do Gaia Silva Gaede Advogados, no entanto, pondera que a própria Constituição já tem uma redação que permite ampliar a base de cálculo, já que as exceções são derivadas de uma lei específica:
— Já há interpretações dissonantes de atividades não relacionadas à prestação de serviço do trabalhador. O empregador pode descontar até 6% do vale-transporte que dá ao funcionário. Se opta por não descontar os 6%, isso não transforma esse valor em remuneração pelo serviço. E, no entanto, é alvo de discussões no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) ou no Judiciário.
A Abat calcula que, se não houver mudança na redação do texto, a alíquota média de contribuição previdenciária do empregador sobre a folha de salários subiria de 27,5%, em média, para até 33%.
— Não acredito que o Congresso vá passar um trecho do projeto que permita tributar qualquer valor a qualquer título. A tributação da assistência de saúde, por exemplo, iria desincentivar a contratação desse serviço e, na ponta, derrubar o segmento de operadoras de saúde — pondera Siqueira. (Colaborou Geralda Doca).
Reportagem publicada no Jornal O Globo por Glauce Cavalcanti
11/06/2019 – 04:30 / Atualizado em 11/06/2019 – 10:16