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O Setor Elétrico Brasileiro (“SEB”) vem passando por um processo de liberalização progressivo desde a década de 90. Em que pese as propostas de abertura de mercado debatidas em consultas públicas, o Projeto de Lei nº 414/2018 já engavetado e os rumores de medida provisória para endereçar o tema, na semana passada o Ministério de Minas e Energia (“MME”) apresentou à Casa Civil um projeto de reforma do setor (“PL” ou “Proposta”).
A Proposta é estruturada sob os tripés da (i) abertura do mercado de energia, permitindo que os consumidores escolham seus fornecedores de energia elétrica, o que aumentará a competição setorial; (ii) justiça tarifária, via revisão e ampliação da Tarifa Social de Energia Elétrica (“Tarifa Social”); e (iii) revisão dos encargos setoriais.
Segundo o texto, a abertura de mercado para os consumidores de baixa tensão dos segmentos industrial e comercial para os consumidores residenciais deve se iniciar a partir de 1º de março de 2027 e 1º março de 2028, respectivamente. A proposta de liberalização do mercado vem acompanhada da criação do Supridor de Última Instância (“SUI”), isto é, o agente que irá garantir o suprimento de energia aos consumidores livres quando o fornecedor livremente contratado não conseguir atendê-los.
No que se refere à Tarifa Social, o PL propõe isentar do pagamento de energia a mais de 60 milhões de brasileiros com consumo de até 80 kWh/mês. Entretanto, considerando o montante médio consumido pelas famílias brasileiras, a isenção proposta será na prática um desconto parcial na conta de luz.
E como o MME calcula o impacto da ampliação da Tarifa Social em ~R$ 3,6 bilhões, medidas são entendidas como necessárias para se reduzir o valor da tarifa de energia. Dentre elas, sugere-se a limitação dos descontos das tarifas fio (“TUST/TUSD”) ao final da vigência dos atuais contratos de compra e venda de energia, o que pode resultar no registro de contratos “vazios” somente com o intuito de assegurar a manutenção dos descontos da tarifa fio atualmente existentes.
Ainda, outra medida proposta para assegurar a redução tarifária é a alteração do conceito de autoprodutor por equiparação. Pelo PL, o enquadramento na autoprodução por equiparação ocorrerá desde que haja demanda mínima de 30MW, participação societária mínima de 30% e, ainda, que o autoprodutor seja dono do projeto no momento da outorga do empreendimento. Embora a alteração dos critérios da autoprodução por equiparação já era esperada pelo mercado, ela deve impactar o desenvolvimento de projetos renováveis nos próximos anos e resultar em uma nova “corrida do ouro” para garantir novas outorgas antes da aprovação do PL.
Em que pese este artigo não abordar todos os assuntos que constam na Proposta apresentada à Casa Civil, é importante ressaltar que temas relevantes à remodelagem do SEB foram deixados de lado.
É o caso, por exemplo, do impacto da abertura do mercado na remuneração das distribuidoras – cuja renovação das concessões está sendo atualmente avaliada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”). No mesmo sentido, não foi considerado na Proposta do MME o iminente vencimento das concessões das usinas hidrelétricas, a valoração de seus atributos – essenciais à segurança e confiabilidade do SEB –, o impacto econômico-financeiro e operacional das centrais de micro e minigeração distribuída (“MMGD”), ou mesmo os contratos legados[1].
Desafios não faltam à reforma do setor, sendo essencial à nova modelagem proposta endereçar os atuais sinais econômicos distorcidos. Aguardemos as contribuições da Casa Civil e do Congresso Nacional.
Karina Santos é Senior Manager do time de Sustentabilidade Corporativa do Gaia, Silva, Gaede Advogados. Graduada em Direito pela PUC/SP, L.L.M. pela Direito GV, Mestrado em Regulação pela London School of Economics and Political Science (LSE), MBA com ênfase no Setor Elétrico pela FGV Projetos e MBA em Gestão de Riscos da Comercialização de Energia Elétrica pela CCEE/USP (em andamento). Possui mais de 15 anos de experiência em regulação. Membro da LACLIMA, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e do Infra Women Brasil (GT Energia).
[1] Contratos de longo prazo firmados pelas distribuidoras para atendimento aos consumidores que, no novo contexto regulatório, poderão migrar ao mercado livre, o que resultará na sobrecontratação das distribuidoras.